H REVISTA FRAUDE

Ano 14 | 2017 - nº15 - Salvador/Bahia

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Texto Ana Paula Lacerda e Mateus Costa
Fotos Maria Magalhães/LABFOTO

A vida urbana passa a ser registrada através do cinema desde sua criação em 1895. Nos testes com a recém-criada câmera, os irmãos Auguste e Louis Lumière gravaram um cotidiano da Paris que vivia a passagem para o século XX. A partir daí, as cidades surgiam como cenário cinematográfico. Em Salvador, o centro histórico foi palco de diversas produções que contribuíram para a criação de um imaginário popular sobre um espaço retratado por câmeras.


Texto Ana Paula Lacerda e Mateus Costa
Fotos Maria Magalhães/LABFOTO

A vida urbana passa a ser registrada através do cinema desde sua criação em 1895. Nos testes com a recém-criada câmera, os irmãos Auguste e Louis Lumière gravaram um cotidiano da Paris que vivia a passagem para o século XX. A partir daí, as cidades surgiam como cenário cinematográfico. Em Salvador, o centro histórico foi palco de diversas produções que contribuíram para a criação de um imaginário popular sobre um espaço retratado por câmeras.


LENTES SOBRE O PELOURINHO

Descendo a Ladeira do Carmo, entre grafites e pedras portuguesas, encontramos o cenário do único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes, O Pagador de Promessas (1962). Nele, é retratada a saga do casal Rosa e José, que vem do interior carregando uma cruz para cumprir uma promessa feita a Iansã. O voto é feito por José em um terreiro de Candomblé, mas, por acreditar em uma semelhança entre as divindades, o personagem presume que a dívida também pode ser paga à Santa Bárbara. Assim, os protagonistas partem em peregrinação rumo à igreja da santa.

Apesar de ter alcançado reconhecimento internacional, o longa metragem de Anselmo Duarte sofreu críticas de intelectuais brasileiros. “Houve uma rejeição por acharem que ele [o filme] fosse ligado mais à direita. Eu, particularmente, acho o filme uma obra de arte. Muito marcante”, afirma o cineasta Lazaro Faria, 61, fundador da Casa do Cinema da Bahia e morador do Pelourinho. Passados 55 anos, a escadaria da Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo – no filme, Igreja de Santa Bárbara – é ocupada por manifestações artísticas e culturais, como grafites nos muros e apresentações do cantor baiano Gerônimo Santana que ocorrem nos degraus.

A escadaria, que faz a ligação entre a Ladeira do Carmo e a Rua do Passo, também foi cenário para outra produção cinematográfica. Foi local de brincadeiras para os filhos de Dona Joana – personagens de Ó Paí, Ó (2007) de Monique Gardenberg – que, ao descerem pelos degraus, encontram os personagens do elenco principal retornando dos festejos do carnaval. Fantasiados, os foliões descem a Ladeira do Carmo rumo ao Bar da Neusão, localizado na esquina da rua Pe. Agostinho Gomes e do Largo do Pelourinho.

Com fachada verde e batentes brancas, o estabelecimento, cujo nome verdadeiro é Bar e Restaurante do Ceará, onde foi protagonizada uma das cenas mais marcantes do filme. A personagem Bioncetão, interpretado pela cantora Virgínia Rodrigues, 53, conduz os demais intérpretes para um ato musical, no qual cantam I miss her, do Olodum. “A cena foi tão marcante que alunos de escolas da região retornam ao bar para filmar e reproduzir o episódio desde então”, relata Ivonete Ferreira, 45, frequentadora do bar e moradora do Pelourinho.

Originalmente, Ó Paí, Ó integra uma trilogia teatral composta pelos espetáculos Essa é a nossa Praça e Bye Bye, Pelô, todas realizadas pelo Bando de Teatro Olodum. Cristóvão Silva, XX, que interpretou o personagem Negócio Torto no filme, participou também da primeira montagem do espetáculo teatral. O ator revela que a narrativa foi elaborada após um longo processo e pesquisa de campo dentro do centro histórico.

LENTES SOBRE O PELOURINHO

Descendo a Ladeira do Carmo, entre grafites e pedras portuguesas, encontramos o cenário do único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes, O Pagador de Promessas (1962). Nele, é retratada a saga do casal Rosa e José, que vem do interior carregando uma cruz para cumprir uma promessa feita a Iansã. O voto é feito por José em um terreiro de Candomblé, mas, por acreditar em uma semelhança entre as divindades, o personagem presume que a dívida também pode ser paga à Santa Bárbara. Assim, os protagonistas partem em peregrinação rumo à igreja da santa.

Apesar de ter alcançado reconhecimento internacional, o longa metragem de Anselmo Duarte sofreu críticas de intelectuais brasileiros. “Houve uma rejeição por acharem que ele [o filme] fosse ligado mais à direita. Eu, particularmente, acho o filme uma obra de arte. Muito marcante”, afirma o cineasta Lazaro Faria, 61, fundador da Casa do Cinema da Bahia e morador do Pelourinho. Passados 55 anos, a escadaria da Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo – no filme, Igreja de Santa Bárbara – é ocupada por manifestações artísticas e culturais, como grafites nos muros e apresentações do cantor baiano Gerônimo Santana que ocorrem nos degraus.

A escadaria, que faz a ligação entre a Ladeira do Carmo e a Rua do Passo, também foi cenário para outra produção cinematográfica. Foi local de brincadeiras para os filhos de Dona Joana – personagens de Ó Paí, Ó (2007) de Monique Gardenberg – que, ao descerem pelos degraus, encontram os personagens do elenco principal retornando dos festejos do carnaval. Fantasiados, os foliões descem a Ladeira do Carmo rumo ao Bar da Neusão, localizado na esquina da rua Pe. Agostinho Gomes e do Largo do Pelourinho.

Com fachada verde e batentes brancas, o estabelecimento, cujo nome verdadeiro é Bar e Restaurante do Ceará, onde foi protagonizada uma das cenas mais marcantes do filme. A personagem Bioncetão, interpretado pela cantora Virgínia Rodrigues, 53, conduz os demais intérpretes para um ato musical, no qual cantam I miss her, do Olodum. “A cena foi tão marcante que alunos de escolas da região retornam ao bar para filmar e reproduzir o episódio desde então”, relata Ivonete Ferreira, 45, frequentadora do bar e moradora do Pelourinho.

Originalmente, Ó Paí, Ó integra uma trilogia teatral composta pelos espetáculos Essa é a nossa Praça e Bye Bye, Pelô, todas realizadas pelo Bando de Teatro Olodum. Cristóvão Silva, XX, que interpretou o personagem Negócio Torto no filme, participou também da primeira montagem do espetáculo teatral. O ator revela que a narrativa foi elaborada após um longo processo e pesquisa de campo dentro do centro histórico.

AJUSTANDO O FOCO

As produções cinematográficas no Pelourinho fomentam discussões, tanto em relação às temáticas abordadas e à forma de abordagem, quanto aos impactos estruturais, ideológicos e econômicos que todo o processo de filmagem pode gerar. Raimundo Avelar, 42, declara que “as filmagens movimentam as atividades no comércio local, porque aumentam a curiosidade de moradores da cidade e turistas”. Para ele, o modo como o lugar é retratado na maioria das produções “condiz com a realidade do bairro”.

Por outro lado, Jaqueline Nascimento, 32, acredita que a falta de planejamento e articulação com os comerciantes nos períodos de filmagem “gera prejuízos, já que bloqueia o comércio sem ressarcimento”. Outra comerciante, Jamile Oliveira, 34, considera que, além do prejuízo gerado durante as produções, “os filmes passam uma visão maquiada do Pelourinho que vemos aqui”.

No centro da Praça da Sé, a nove minutos de caminhada do Bar da Neusão, se encontra uma fonte luminosa que está nos planos iniciais de Pelores (2004), de Marília Hughes. Imagens do chafariz se alternam com imagens de uma roda de samba nos primeiros minutos do documentário, em um jogo que busca evidenciar a realidade do bairro. Realidade que tem dois lados: o tradicional, representado pelas baianas; e o novo, decorrente da reforma e simbolizado pela fonte, um marco da reestruturação realizada no centro histórico a partir do governo estadual de Antônio Carlos Magalhães, em 1992. O documentário mostra as consequências de um projeto de reorganização do espaço para a vida dos moradores, através de uma série de relatos sobre como ocorreu o processo de gentrificação no bairro.

Assim como Pelores, o curta de caráter experimental do artista Miguel Rio Branco, Nada levarei qundo morrer aqueles que mim deve cobrarei no inferno (1985), mostra o lado pouco conhecido do centro histórico. Através de uma sequência de registros de becos, vielas e ruínas, o filme retrata a miséria e degradação existentes no bairro e adentra a intimidade daqueles capturados por sua lente, evidenciando, literalmente, a nudez e as cicatrizes dos habitantes.


Ainda que a câmera foque e selecione, o Pelourinho que conhecemos não se resume apenas ao seu espaço físico, mas às relações constituídas entre o bairro e seus moradores ao longo dos anos. A memória visual criada a partir dos registros do local pode alimentar um imaginário popular sobre ele - assim como a realidade que não coube na tela influencia o que veremos dentro dela. O espaço e as pessoas estão entrelaçadas através do olhar cinematográfico.

AJUSTANDO O FOCO

As produções cinematográficas no Pelourinho fomentam discussões, tanto em relação às temáticas abordadas e à forma de abordagem, quanto aos impactos estruturais, ideológicos e econômicos que todo o processo de filmagem pode gerar. Raimundo Avelar, 42, declara que “as filmagens movimentam as atividades no comércio local, porque aumentam a curiosidade de moradores da cidade e turistas”. Para ele, o modo como o lugar é retratado na maioria das produções “condiz com a realidade do bairro”.

Por outro lado, Jaqueline Nascimento, 32, acredita que a falta de planejamento e articulação com os comerciantes nos períodos de filmagem “gera prejuízos, já que bloqueia o comércio sem ressarcimento”. Outra comerciante, Jamile Oliveira, 34, considera que, além do prejuízo gerado durante as produções, “os filmes passam uma visão maquiada do Pelourinho que vemos aqui”.

No centro da Praça da Sé, a nove minutos de caminhada do Bar da Neusão, se encontra uma fonte luminosa que está nos planos iniciais de Pelores (2004), de Marília Hughes. Imagens do chafariz se alternam com imagens de uma roda de samba nos primeiros minutos do documentário, em um jogo que busca evidenciar a realidade do bairro. Realidade que tem dois lados: o tradicional, representado pelas baianas; e o novo, decorrente da reforma e simbolizado pela fonte, um marco da reestruturação realizada no centro histórico a partir do governo estadual de Antônio Carlos Magalhães, em 1992. O documentário mostra as consequências de um projeto de reorganização do espaço para a vida dos moradores, através de uma série de relatos sobre como ocorreu o processo de gentrificação no bairro.

Assim como Pelores, o curta de caráter experimental do artista Miguel Rio Branco, Nada levarei qundo morrer aqueles que mim deve cobrarei no inferno (1985), mostra o lado pouco conhecido do centro histórico. Através de uma sequência de registros de becos, vielas e ruínas, o filme retrata a miséria e degradação existentes no bairro e adentra a intimidade daqueles capturados por sua lente, evidenciando, literalmente, a nudez e as cicatrizes dos habitantes.


Ainda que a câmera foque e selecione, o Pelourinho que conhecemos não se resume apenas ao seu espaço físico, mas às relações constituídas entre o bairro e seus moradores ao longo dos anos. A memória visual criada a partir dos registros do local pode alimentar um imaginário popular sobre ele - assim como a realidade que não coube na tela influencia o que veremos dentro dela. O espaço e as pessoas estão entrelaçadas através do olhar cinematográfico.

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