H REVISTA FRAUDE

Ano 14 | 2017 - nº15 - Salvador/Bahia

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texto Daniel Brito e Levy Teles
fotos Gabrielle Guido/Labfoto

Sexta-feira rotineira, início de mais um fim de semana. Ao cair da noite, vários carros equipados com aparelhos de som de grande porte estacionam em ruas, becos ou praças das periferias de Salvador e região metropolitana. Seus donos abrem o porta-malas e ligam os estrondosos equipamentos, que levam pessoas de todas as idades a cantar e dançar ao som do pagode baiano. Assim começa a festa, que se estende por madrugada adentro, sem hora para acabar.  

Populares, os “paredões”, como são chamadas as festas realizadas com som automotivo, têm forte inspiração no fenômeno carioca dos bailes funk. “Essa febre dos paredões foi baseada naqueles montes de caixas do Furacão 2000. O amontilhado de caixas foi levado para a mala dos veículos e depois para as carrocinhas”, afirma Sandro Alex, 42, dirigente da Associação de Sons Automotivos de Salvador (ASAS).

Os paredões envolvem um grande conjunto de equipamentos de som que tocam na mesma intensidade. A estrutura portátil dos sons acoplados aos carros facilita o transporte pelos bairros da cidade. A marcante percussão é o principal traço do alto som, que faz o chão tremer e marca presença em Engomadeira, periferia de Salvador, aos domingos. O bairro é conhecido por vias estreitas que desembocam em um grande ponto circular: o fim de linha. A área recebe esse nome por ser o ponto final dos ônibus que ali circulam - e possui um desenho favorável para a realização de festas.

Contendo uma praça, alguns bares e barracas, os sons se espalham pelo fim de linha com facilidade e parecem confrontar-se. No início das noites de domingo, é possível escutar o arrocha do bar da frente ao mesmo tempo em que se ouve o “pagodão” nos bares atrás. Conforme o tempo avança, os carros com potentes sons começam a chegar, os outros sons são desligados e o paredão se inicia.
 

A MARCANTE PERCUSSÃO É O PRINCIPAL TRAÇO DO ALTO SOM
DO AMONTOADO DE CAIXAS DE SOM, QUE FAZ O CHÃO TREMER

 

BAILE DE FAVELA

Homens e mulheres dançam ao ritmo que demonstra a grande herança do funk carioca, o pagofunk, criado pelo cantor Robyssão na época em que era vocalista da banda Black Style, formada em 2006. O ritmo intenso do pagofunk reflete também na dança, que, similar ao ritmo do Rio de Janeiro, é carregada de sensualidade.

As grandes festas não são exclusivas do bairro e se mostram um atrativo para moradores de bairros vizinhos. É o caso de Júlia Praieiro, 21, estudante de Ciências Contábeis e residente do bairro do Cabula. “São festas grandes e que tem muita gente. É um grande atrativo, você vê gente de todos os tipos aqui. Os paredões acabam chamando a atenção”, afirma sobre a diversidade de público nas festas.

Visto como um ritmo com músicas de má qualidade, o pagode baiano é alvo de preconceito. Por estar presente nos paredões, estes acabam sendo associados a situações de bagunça e desordem. “Generalizam muito os paredões. Todo mundo que tem som é vagabundo, todo mundo que tem som é bagunceiro. A mídia costuma associar a gente diretamente à criminalidade. Há muita gente que só quer curtir o seu som”, queixa-se Petson Peixoto, 23, membro-fundador da equipe Cajasom, grupo fundado em julho de 2015, que une outros carros de som e realiza paredões na região de Cajazeiras.

 

 

texto Daniel Brito e Levy Teles
fotos Gabrielle Guido/Labfoto

Sexta-feira rotineira, início de mais um fim de semana. Ao cair da noite, vários carros equipados com aparelhos de som de grande porte estacionam em ruas, becos ou praças das periferias de Salvador e região metropolitana. Seus donos abrem o porta-malas e ligam os estrondosos equipamentos, que levam pessoas de todas as idades a cantar e dançar ao som do pagode baiano. Assim começa a festa, que se estende por madrugada adentro, sem hora para acabar.  

Populares, os “paredões”, como são chamadas as festas realizadas com som automotivo, têm forte inspiração no fenômeno carioca dos bailes funk. “Essa febre dos paredões foi baseada naqueles montes de caixas do Furacão 2000. O amontilhado de caixas foi levado para a mala dos veículos e depois para as carrocinhas”, afirma Sandro Alex, 42, dirigente da Associação de Sons Automotivos de Salvador (ASAS).

Os paredões envolvem um grande conjunto de equipamentos de som que tocam na mesma intensidade. A estrutura portátil dos sons acoplados aos carros facilita o transporte pelos bairros da cidade. A marcante percussão é o principal traço do alto som, que faz o chão tremer e marca presença em Engomadeira, periferia de Salvador, aos domingos. O bairro é conhecido por vias estreitas que desembocam em um grande ponto circular: o fim de linha. A área recebe esse nome por ser o ponto final dos ônibus que ali circulam - e possui um desenho favorável para a realização de festas.

Contendo uma praça, alguns bares e barracas, os sons se espalham pelo fim de linha com facilidade e parecem confrontar-se. No início das noites de domingo, é possível escutar o arrocha do bar da frente ao mesmo tempo em que se ouve o “pagodão” nos bares atrás. Conforme o tempo avança, os carros com potentes sons começam a chegar, os outros sons são desligados e o paredão se inicia.
 

A MARCANTE PERCUSSÃO É O PRINCIPAL TRAÇO DO ALTO SOM
DO AMONTOADO DE CAIXAS DE SOM, QUE FAZ O CHÃO TREMER

 

BAILE DE FAVELA

Homens e mulheres dançam ao ritmo que demonstra a grande herança do funk carioca, o pagofunk, criado pelo cantor Robyssão na época em que era vocalista da banda Black Style, formada em 2006. O ritmo intenso do pagofunk reflete também na dança, que, similar ao ritmo do Rio de Janeiro, é carregada de sensualidade.

As grandes festas não são exclusivas do bairro e se mostram um atrativo para moradores de bairros vizinhos. É o caso de Júlia Praieiro, 21, estudante de Ciências Contábeis e residente do bairro do Cabula. “São festas grandes e que tem muita gente. É um grande atrativo, você vê gente de todos os tipos aqui. Os paredões acabam chamando a atenção”, afirma sobre a diversidade de público nas festas.

Visto como um ritmo com músicas de má qualidade, o pagode baiano é alvo de preconceito. Por estar presente nos paredões, estes acabam sendo associados a situações de bagunça e desordem. “Generalizam muito os paredões. Todo mundo que tem som é vagabundo, todo mundo que tem som é bagunceiro. A mídia costuma associar a gente diretamente à criminalidade. Há muita gente que só quer curtir o seu som”, queixa-se Petson Peixoto, 23, membro-fundador da equipe Cajasom, grupo fundado em julho de 2015, que une outros carros de som e realiza paredões na região de Cajazeiras.

PASSANDO O BONDE

À medida que o ânimo toma conta de toda a área do paredão, o clima de festa se mistura com o clima de apreensão. Por se tratar de festas em espaço público, o som alto em horas tardias da noite conflita com a lei municipal nº 5354, de 28 de janeiro de 1998, que estabelece o limite de 80dB para o som após às 22h. Dessa forma, a preocupação toma conta dos donos do carros equipados.

Com a ameaça de a polícia aparecer e recolher os carros, os sons são desligados. “Desde que a polícia começou a aparecer por aqui, os paredões com os carros grandes pararam. Assim que a polícia chega, o pessoal desliga o som”, fala Ubiraci Oliveira, 51, vendedor ambulante na Praça da Revolução, em Periperi. Doug Caee, 17, estudante, morador da área e visitante assíduo das festas, fala que apesar da presença da polícia, as festas continuam acontecendo. “Há um ano, aqui ficavam carros com sons muito chamativos. Agora geralmente fica apenas um carro com o som e o pessoal fica aqui enquanto a polícia não aparece. Quando a polícia sai, o som volta”.

A intervenção da Secretaria Municipal de Ordem Pública, SEMOP, revela um conflito entre os moradores da área e os organizadores das festas. Realizadas em área pública, o som afeta os moradores da vizinhança, que acabam tendo de recorrer à polícia. Doug acredita que os paredões vão para as ruas pela falta de espaço para a realização de festas no bairro de Periperi e completa: “Muitas vezes eu venho para os paredões na Praça da Revolução por falta de opções de entretenimento”.

 

 

GENERALIZAM MUITO OS PAREDÕES. TODO MUNDO QUE TEM SOM
É VAGABUNDO, TODO MUNDO QUE TEM SOM É BAGUNCEIRO

PETSON PEIXOTO

PASSANDO O BONDE

À medida que o ânimo toma conta de toda a área do paredão, o clima de festa se mistura com o clima de apreensão. Por se tratar de festas em espaço público, o som alto em horas tardias da noite conflita com a lei municipal nº 5354, de 28 de janeiro de 1998, que estabelece o limite de 80dB para o som após às 22h. Dessa forma, a preocupação toma conta dos donos do carros equipados.

Com a ameaça de a polícia aparecer e recolher os carros, os sons são desligados. “Desde que a polícia começou a aparecer por aqui, os paredões com os carros grandes pararam. Assim que a polícia chega, o pessoal desliga o som”, fala Ubiraci Oliveira, 51, vendedor ambulante na Praça da Revolução, em Periperi. Doug Caee, 17, estudante, morador da área e visitante assíduo das festas, fala que apesar da presença da polícia, as festas continuam acontecendo. “Há um ano, aqui ficavam carros com sons muito chamativos. Agora geralmente fica apenas um carro com o som e o pessoal fica aqui enquanto a polícia não aparece. Quando a polícia sai, o som volta”.

A intervenção da Secretaria Municipal de Ordem Pública, SEMOP, revela um conflito entre os moradores da área e os organizadores das festas. Realizadas em área pública, o som afeta os moradores da vizinhança, que acabam tendo de recorrer à polícia. Doug acredita que os paredões vão para as ruas pela falta de espaço para a realização de festas no bairro de Periperi e completa: “Muitas vezes eu venho para os paredões na Praça da Revolução por falta de opções de entretenimento”.

 

 

GENERALIZAM MUITO OS PAREDÕES. TODO MUNDO QUE TEM SOM
É VAGABUNDO, TODO MUNDO QUE TEM SOM É BAGUNCEIRO

PETSON PEIXOTO

NOVO CONCEITO, MESMO SWING

Longe do agito das ruas, os espaços privados também são locais em que os carros de som marcam presença. Formada por 32 integrantes e 11 veículos, a Equipe Cajasom tem como diferencial a participação em eventos realizados em locais fechados, como casas e chácaras, a fim de evitar problemas com a vizinhança. “Sabemos que som na rua incomoda. Por isso, a nossa equipe não faz isso”, explica Petson.

A popularidade dos potentes carros de som também levou as festas a ambientes profissionais. Migrando das periferias para as grandes casas de shows, os chamados encontros de paredões, eventos realizados com veículos equipados, tornaram-se um hábito. Além de tocar músicas dos variados ritmos locais, os encontros incluem a competição de quem tem o som mais potente.

 

SÃO FESTAS GRANDES E QUE TÊM MUITA GENTE. É UM GRANDE 
ATRATIVO, VOCÊ VÊ GENTE DE TODOS OS TIPOS AQUI

JÚLIA PRAIEIRO

 

Realizados em casas de show famosas como a The Best Beach, na Ribeira, ou no estacionamento do Wet’n’Wild, na Avenida Paralela, os campeonatos de paredões revelam que é possível ver caixas de som ainda maiores em comparação aos eventos de bairro. A potência das máquinas é tão grande que chegam a ocupar o espaço de trios elétricos no Carnaval. Um exemplo é o Moby Dick, paredão do DJ Sandro Alex, que pode alcançar 77.000 watts de potência.

Sandro menciona o desafio de encontrar locais para a realização de paredões na cidade. “Hoje vivemos um impasse porque a prefeitura de Salvador e o governo do Estado não oferecem locais apropriados para serem feitos eventos, reuniões e campeonatos”, afirma. Contudo, um novo cenário aparece. Em diálogo com a Câmara Municipal e a prefeitura, a Associação de Sons Automotivos de Salvador busca a regulamentação dos paredões e concessão de espaços para a realização das festas. Por se tratar de uma iniciativa que busca do poder público o reconhecimento como uma atividade cultural, o DJ acredita que os paredões em locais fechados podem alcançar diversas regiões da cidade. “Hoje, há paredões em áreas abertas de Cajazeiras, Periperi, Rio Sena e tantos outros lugares de Salvador”, afirma.

A madrugada se encerra. Os carros potentes se retiram do fim de linha de Engomadeira. O som alto é substituído pelo cantar dos galos, anunciando o fim da festa e a volta da rotina de um dia de semana. O domingo de curtição cede seu espaço para uma segunda-feira de trabalho - até o próximo final de semana, quando soteropolitanos de diversos bairros voltarão a dançar ao som dos paredões.

NOVO CONCEITO, MESMO SWING

Longe do agito das ruas, os espaços privados também são locais em que os carros de som marcam presença. Formada por 32 integrantes e 11 veículos, a Equipe Cajasom tem como diferencial a participação em eventos realizados em locais fechados, como casas e chácaras, a fim de evitar problemas com a vizinhança. “Sabemos que som na rua incomoda. Por isso, a nossa equipe não faz isso”, explica Petson.

A popularidade dos potentes carros de som também levou as festas a ambientes profissionais. Migrando das periferias para as grandes casas de shows, os chamados encontros de paredões, eventos realizados com veículos equipados, tornaram-se um hábito. Além de tocar músicas dos variados ritmos locais, os encontros incluem a competição de quem tem o som mais potente.

 

SÃO FESTAS GRANDES E QUE TÊM MUITA GENTE. É UM GRANDE 
ATRATIVO, VOCÊ VÊ GENTE DE TODOS OS TIPOS AQUI

JÚLIA PRAIEIRO

 

Realizados em casas de show famosas como a The Best Beach, na Ribeira, ou no estacionamento do Wet’n’Wild, na Avenida Paralela, os campeonatos de paredões revelam que é possível ver caixas de som ainda maiores em comparação aos eventos de bairro. A potência das máquinas é tão grande que chegam a ocupar o espaço de trios elétricos no Carnaval. Um exemplo é o Moby Dick, paredão do DJ Sandro Alex, que pode alcançar 77.000 watts de potência.

Sandro menciona o desafio de encontrar locais para a realização de paredões na cidade. “Hoje vivemos um impasse porque a prefeitura de Salvador e o governo do Estado não oferecem locais apropriados para serem feitos eventos, reuniões e campeonatos”, afirma. Contudo, um novo cenário aparece. Em diálogo com a Câmara Municipal e a prefeitura, a Associação de Sons Automotivos de Salvador busca a regulamentação dos paredões e concessão de espaços para a realização das festas. Por se tratar de uma iniciativa que busca do poder público o reconhecimento como uma atividade cultural, o DJ acredita que os paredões em locais fechados podem alcançar diversas regiões da cidade. “Hoje, há paredões em áreas abertas de Cajazeiras, Periperi, Rio Sena e tantos outros lugares de Salvador”, afirma.

A madrugada se encerra. Os carros potentes se retiram do fim de linha de Engomadeira. O som alto é substituído pelo cantar dos galos, anunciando o fim da festa e a volta da rotina de um dia de semana. O domingo de curtição cede seu espaço para uma segunda-feira de trabalho - até o próximo final de semana, quando soteropolitanos de diversos bairros voltarão a dançar ao som dos paredões.

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