H REVISTA FRAUDE

Ano 13 | 2016 - nº14 - Salvador/Bahia

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Curador do Subúrbio

As vivências de Eduardo e sua consciência crítica enquanto defensor do Subúrbio

Texto Marco Antônio Correia e Mateus Costa
Fotos Marco Antônio Correia/Labfoto

José Eduardo Ferreira, casado, 41, pedagogo de formação, nasceu no antigo bairro Beira do Mangue, hoje conhecido como Novos Alagados. Ainda criança, enquanto vendia bananas com o pai, percorreu a região do subúrbio, observou e pôde apreender com o seu entorno. Mesmo que este fosse marcado por um contexto de desigualdade e vulnerabilidade, ali, em meio aos saberes populares e livros, começava a ser forjada uma possível resistência cultural e política.


Era uma vez no subúrbio

Há 29 anos, um menino franzino e inquieto, que percorria as ruas do Subúrbio, chamou a atenção do casal Antonio (falecido em 2005) e Vera Lazzarotto, 81. Vera, que desde a segunda metade dos anos 70 está inserida na comunidade de Novos Alagados, ajudou a fundar escolas comunitárias na região, desenvolvendo, assim, uma intervenção educacional importante dentro da comunidade. Impressionados com a inteligência de Eduardo resolveram pagar um curso de datilografia para ele e não imaginavam que, diante da máquina de escrever, começaria uma trajetória de provocação e resistência. Ao invés de utilizar um manual de datilografia, aprendeu a usar a máquina de escrever datilografando os textos de Bandeira, Drummond e Cecília Meireles. Absorveu poesias ao som do tilintar da máquina.  

 

 

 

Texto Marco Antônio Correia e Mateus Costa
Fotos Marco Antônio Correia/Labfoto

José Eduardo Ferreira, casado, 41, pedagogo de formação, nasceu no antigo bairro Beira do Mangue, hoje conhecido como Novos Alagados. Ainda criança, enquanto vendia bananas com o pai, percorreu a região do subúrbio, observou e pôde apreender com o seu entorno. Mesmo que este fosse marcado por um contexto de desigualdade e vulnerabilidade, ali, em meio aos saberes populares e livros, começava a ser forjada uma possível resistência cultural e política.


Era uma vez no subúrbio

Há 29 anos, um menino franzino e inquieto, que percorria as ruas do Subúrbio, chamou a atenção do casal Antonio (falecido em 2005) e Vera Lazzarotto, 81. Vera, que desde a segunda metade dos anos 70 está inserida na comunidade de Novos Alagados, ajudou a fundar escolas comunitárias na região, desenvolvendo, assim, uma intervenção educacional importante dentro da comunidade. Impressionados com a inteligência de Eduardo resolveram pagar um curso de datilografia para ele e não imaginavam que, diante da máquina de escrever, começaria uma trajetória de provocação e resistência. Ao invés de utilizar um manual de datilografia, aprendeu a usar a máquina de escrever datilografando os textos de Bandeira, Drummond e Cecília Meireles. Absorveu poesias ao som do tilintar da máquina.  

 

 

 

CHEGO A DESCONFIAR QUE A INVISIBILIDADE SEJA UMA FORMA DE OPRESSÃO E AO MESMO TEMPO UMA NEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DO LUGAR E  DAS PESSOAS QUE NELE HABITAM
EDUARDO

 

Sua paixão por essa técnica fez com que conseguisse um trabalho na casa dos Lazzarottos, espaço onde pôde ter contato não só com poesia. “A casa era maravilhosa, tinha biblioteca e discoteca. Meu primeiro contato com Tom Jobim, Caetano, Gil, João Gilberto, Elis Regina”, relembra Eduardo. Uma composição de João Gilberto, inclusive, foi responsável pela conquista de um trabalho: na seleção para guia mirim do Palácio da Aclamação(1990) quando tinha apenas 14 anos, uma das fases de seleção era cantar uma música do início ao fim. “Águas de Março” foi sua escolha, garantindo-lhe o posto disputado com outros garotos. Ao receber o primeiro salário, comprou o disco do pioneiro da Bossa Nova. Desse momento em diante, sua vivência cultural foi crescendo para além dos limites do Subúrbio.

Frequentador fiel de bibliotecas começou a vivenciar aquilo que admirava nos livros e discos. Aos 16 anos, movido pela sua curiosidade, saiu por Salvador à procura de construções antigas. A mistura de sensibilidade, respeito e surpresa o fizeram notar a força da criação que a arte carrega. “Tem uma vida, pulsação e elaboração que merece um respeito grande, porque nos traz a possibilidade de desejar ser. Tem muita gente que não experimentou isso”, diz.

Desde cedo, Eduardo construiu uma relação afetiva com o patrimônio simbólico-cultural da cidade e percebeu a necessidade da ocupação desses espaços. Com tristeza na voz, fala da falta que tais aspectos culturais fazem na periferia, esses que são negados desde sempre. “Chego a desconfiar que a invisibilidade seja uma forma de opressão e ao mesmo tempo uma negação da existência do lugar e das pessoas que nele habitam”, relata em seu livro, Acervo da Laje: memória estética e artística do Subúrbio Ferroviário de Salvador, publicado em 2014.

CHEGO A DESCONFIAR QUE A INVISIBILIDADE SEJA UMA FORMA DE OPRESSÃO E AO MESMO TEMPO UMA NEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DO LUGAR E  DAS PESSOAS QUE NELE HABITAM
EDUARDO

 

Sua paixão por essa técnica fez com que conseguisse um trabalho na casa dos Lazzarottos, espaço onde pôde ter contato não só com poesia. “A casa era maravilhosa, tinha biblioteca e discoteca. Meu primeiro contato com Tom Jobim, Caetano, Gil, João Gilberto, Elis Regina”, relembra Eduardo. Uma composição de João Gilberto, inclusive, foi responsável pela conquista de um trabalho: na seleção para guia mirim do Palácio da Aclamação(1990) quando tinha apenas 14 anos, uma das fases de seleção era cantar uma música do início ao fim. “Águas de Março” foi sua escolha, garantindo-lhe o posto disputado com outros garotos. Ao receber o primeiro salário, comprou o disco do pioneiro da Bossa Nova. Desse momento em diante, sua vivência cultural foi crescendo para além dos limites do Subúrbio.

Frequentador fiel de bibliotecas começou a vivenciar aquilo que admirava nos livros e discos. Aos 16 anos, movido pela sua curiosidade, saiu por Salvador à procura de construções antigas. A mistura de sensibilidade, respeito e surpresa o fizeram notar a força da criação que a arte carrega. “Tem uma vida, pulsação e elaboração que merece um respeito grande, porque nos traz a possibilidade de desejar ser. Tem muita gente que não experimentou isso”, diz.

Desde cedo, Eduardo construiu uma relação afetiva com o patrimônio simbólico-cultural da cidade e percebeu a necessidade da ocupação desses espaços. Com tristeza na voz, fala da falta que tais aspectos culturais fazem na periferia, esses que são negados desde sempre. “Chego a desconfiar que a invisibilidade seja uma forma de opressão e ao mesmo tempo uma negação da existência do lugar e das pessoas que nele habitam”, relata em seu livro, Acervo da Laje: memória estética e artística do Subúrbio Ferroviário de Salvador, publicado em 2014.

Acervo do Subúrbio

Em 2008, após estudar a repercussão dos homicídios entre jovens de periferia em Salvador, elaborou a tese de doutorado Cuidado com Vão: Repercussões do Homicídio Entre Jovens de Periferia da Cidade de Salvador. Um dos professores que compunham a banca, lhe fez a provocação de ir além da violência do subúrbio e voltar o seu olhar para a beleza que ali existe. Dessa instigação, nasceu a pesquisa “A arte invisível dos trabalhadores da beleza das periferias de Salvador”. Em parceria com o fotógrafo italiano Marco Illuminati,  foram mapeados os artistas à margem da capital baiana.

Além de querer que o seu projeto incidisse no olhar que é lançado sob a periferia, Eduardo tinha o desejo de mostrar a beleza que estava encontrando. Junto com a sua futura esposa, a professora Vilma Soares, 48, começou a procurar e comprar as obras desses artistas da periferia. Dessa pesquisa e reunião da produção periférica nasceu, em 2011, o Acervo da Laje. “É um espaço de memória e beleza, caracterizado pela força que brota do fazer artístico do humano presente em muitos lugares, coisa que pode parecer impossível para muitas pessoas”, escreve Eduardo em seu livro.

O olhar de fora nos mostra uma casa comum do subúrbio. Dentro, vislumbra-se o cenário misturar o cotidiano com arte. Para chegar ao espaço, o visitante cruza a sala de estar amontoada de objetos, sente o cheiro de comida caseira, cumprimenta os familiares de Eduardo inseridos na sua rotina. Ao subir as escadas, já se observam quadros, placas e textos pendurados. No primeiro andar à direita, a Biblioteca abriga livros, fotografias, câmeras antigas, quadros e mais placas. O corredor segue com poesias riscadas nas paredes. Mais uma escada e três salas se dividem entre fotografias, pinturas, artesanatos e artigos históricos. Um acervo de arte aberto ao público e incrustado em Novos Alagados.

Eduardo acredita que pode ser um transformador no subúrbio, ao contribuir para que os moradores da região sejam pessoas mais críticas e, além disso,  deixar aquilo que antes estava invisível mais perceptível aos olhos da sociedade soteropolitana. Possuidor de relação íntima com o bairro, ele carrega um sentimento de gratidão, retorno e aconchego. “O grande fato de estar no subúrbio é ter essa companhia, uma experiência que a gente viveu da nossa infância e juventude. Não é uma experiência predatória e do medo, mas de encontro e de pertencimento”. As relações que construiu ali são motivadoras para seu ativismo e respeito.

Sua trajetória reflete no trabalho que desenvolve dentro do subúrbio, junto de sua mulher, Vilma. O Acervo é um espaço que vai além do físico, que abraça a periferia e tenta preencher ausências. Eduardo não quer sair de onde nasceu, cresceu e aprendeu a viver. “Aqui tem as condições para que eu seja o que tenho que ser”.

 

 

 

 

 

 

 

Acervo do Subúrbio

Em 2008, após estudar a repercussão dos homicídios entre jovens de periferia em Salvador, elaborou a tese de doutorado Cuidado com Vão: Repercussões do Homicídio Entre Jovens de Periferia da Cidade de Salvador. Um dos professores que compunham a banca, lhe fez a provocação de ir além da violência do subúrbio e voltar o seu olhar para a beleza que ali existe. Dessa instigação, nasceu a pesquisa “A arte invisível dos trabalhadores da beleza das periferias de Salvador”. Em parceria com o fotógrafo italiano Marco Illuminati,  foram mapeados os artistas à margem da capital baiana.

Além de querer que o seu projeto incidisse no olhar que é lançado sob a periferia, Eduardo tinha o desejo de mostrar a beleza que estava encontrando. Junto com a sua futura esposa, a professora Vilma Soares, 48, começou a procurar e comprar as obras desses artistas da periferia. Dessa pesquisa e reunião da produção periférica nasceu, em 2011, o Acervo da Laje. “É um espaço de memória e beleza, caracterizado pela força que brota do fazer artístico do humano presente em muitos lugares, coisa que pode parecer impossível para muitas pessoas”, escreve Eduardo em seu livro.

O olhar de fora nos mostra uma casa comum do subúrbio. Dentro, vislumbra-se o cenário misturar o cotidiano com arte. Para chegar ao espaço, o visitante cruza a sala de estar amontoada de objetos, sente o cheiro de comida caseira, cumprimenta os familiares de Eduardo inseridos na sua rotina. Ao subir as escadas, já se observam quadros, placas e textos pendurados. No primeiro andar à direita, a Biblioteca abriga livros, fotografias, câmeras antigas, quadros e mais placas. O corredor segue com poesias riscadas nas paredes. Mais uma escada e três salas se dividem entre fotografias, pinturas, artesanatos e artigos históricos. Um acervo de arte aberto ao público e incrustado em Novos Alagados.

Eduardo acredita que pode ser um transformador no subúrbio, ao contribuir para que os moradores da região sejam pessoas mais críticas e, além disso,  deixar aquilo que antes estava invisível mais perceptível aos olhos da sociedade soteropolitana. Possuidor de relação íntima com o bairro, ele carrega um sentimento de gratidão, retorno e aconchego. “O grande fato de estar no subúrbio é ter essa companhia, uma experiência que a gente viveu da nossa infância e juventude. Não é uma experiência predatória e do medo, mas de encontro e de pertencimento”. As relações que construiu ali são motivadoras para seu ativismo e respeito.

Sua trajetória reflete no trabalho que desenvolve dentro do subúrbio, junto de sua mulher, Vilma. O Acervo é um espaço que vai além do físico, que abraça a periferia e tenta preencher ausências. Eduardo não quer sair de onde nasceu, cresceu e aprendeu a viver. “Aqui tem as condições para que eu seja o que tenho que ser”.

 

 

 

 

 

 

 

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