A vida de quem trabalha com o místico e o holístico em Salvador
texto Catarina Carvalho e Gabriel Caíno
diagramação Maria Eduarda Gomes
colagem Isadora Sarno
narração Isadora Sarno
O esoterismo e a terapia holística são práticas milenares que vêm sendo cada vez mais difundidas e procuradas. De difícil definição, o esoterismo pode ser considerado um conjunto de tradições e interpretações filosóficas acerca de aspectos da vida humana que estão, de alguma forma, ocultos. Já a terapia holística busca ajudar o indivíduo em toda sua complexidade, pois, segundo o holismo, o corpo é um organismo interligado e não fragmentado.
Esqueça a bola de cristal e o ar de mistério. A Revista Fraude conversou com uma astróloga, uma xamã e uma taróloga sobre suas rotinas profissionais. Elas desvendaram o dia a dia de quem trabalha com o místico, nos contaram um pouco mais de seus ofícios esotéricos e falaram sobre o boom na busca desses serviços a partir de um facilitador: a internet.
Já fez seu mapa astral?
“Há 300 anos, a gente seria queimado na fogueira por falar de astrologia”, constata Denise Dinigre, 53, astróloga do Atelier da Alma, na Pituba. Assunto recorrente nas rodas de conversa, a astrologia, sem dúvidas, tem se tornado cada vez mais popular. No entanto, há alguns séculos era vista com preconceito e discriminação, assim como outras práticas esotéricas consideradas não cristãs, principalmente se protagonizadas por mulheres.
Denise já foi desenvolvedora de programas para computador, mas, há 30 anos, o desejo de compartilhar seus conhecimentos em astrologia a fez mudar de profissão. Hoje, vive do seu trabalho como astróloga e terapeuta holística do Atelier da Alma, onde atende desde a sua fundação. A parceria começou em uma noite de lua cheia, após um telefonema que a astróloga recebeu de Heloísa Mol, 61, fundadora e gestora do local. O nome do espaço holístico vem a partir do questionamento de Heloísa ao ver uma academia de pilates chamada Atelier do Corpo: “Por que não um Atelier da alma?”
O atendimento de Denise dura três horas, mas ela garante que o estudo dos signos é muito mais profundo do que é capaz de falar nesse intervalo de tempo. “A gente ensina e, ao mesmo tempo, é aprendiz. É inesgotável”, comenta. Para ela, a astrologia é uma poderosa ferramenta de autoconhecimento, pois dá pistas para o indivíduo tomar rumos com uma clareza maior. “É muito bom saber quais são os seus potenciais, quais os seus desafios, compreender relacionamentos fazendo sinastrias. E não ‘meu signo combina com o dela?’”, afirma. De acordo com Denise, nossa história não está “escrita nas estrelas”. Os signos, através do estudo dos astros, são partes de potenciais disponíveis para os seres humanos. “A astrologia não traduz quem sou, mas sim que elementos eu tenho para fazer a minha história”, finaliza.
Você já deve ter escutado a pergunta “qual é o seu signo?” ou, até mesmo, “já fez seu mapa astral?”. Mas os estudos sobre a influência dos astros nas nossas vidas vão muito além de saber qual o nosso signo solar e ascendente. De acordo com a astróloga, “a astrologia é uma leitura da alma, do inconsciente humano, das nossas projeções”.
Com a popularização dos signos, vieram também as rotulações. Se é leonino, é egocêntrico. Geminiano? Duas caras! Não irrite um ariano… Mas não é bem assim. De acordo com Denise, apesar da difusão ser uma conquista, tais conceitos são muito rasos e é preciso ultrapassar essas barreiras. “É uma tentativa superficial de rotular. ‘Não vou namorar com uma taurina porque não suporto touro’. Isso não tem nada com astrologia. Precisamos quebrar isso”, ressalta. O que muitos não sabem é que todas as pessoas têm os 12 signos do zodíaco no mapa astral.
“a astrologia não traduz quem sou, mas sim que elementos eu tenho para fazer a minha história”
denise dinigre
Conectada com a natureza
Foi à beira da Lagoa de Pituaçu que Brisa Alegre, 51, conversou com a Revista Fraude. Lá, ela teve seu primeiro contato com as práticas xamânicas a partir da orientação de um líder espiritual. “Esse lugar me marcou muito, já que tudo começou aqui. É um lugar sagradíssimo para mim”, conta.
A conexão com a natureza tem ligação direta com a filosofia xamânica. Segundo Brisa, não há incentivo de um contato mais estreito com os quatro elementos – ar, água, terra e fogo – na sociedade. “Dizem que criança não pode ficar descalça, não pode ir para a chuva. Não é a chuva que faz mal, não é a chuva que adoece. No xamanismo temos uma outra visão.”
O xamanismo é um conjunto de ensinamentos ancestrais que busca firmar uma conexão espiritual com a natureza. “Os quatro elementos guiam o estudo xamânico”, afirma Brisa. Seus rituais contam com danças e músicas milenares, além de, em alguns casos, bebidas alucinógenas como a Ayahuasca, feitas a partir da combinação de ervas e cipós. O rito mais conhecido é a roda de cura xamânica, conduzida pelo(a) xamã, líder espiritual de inspiração divina. A troca de energias e a autocura são os objetivos das cerimônias.
“estamos falando de energia, de emoção, de trauma, não é só você ler e botar a mão na pessoa”
brisa alegre
Em 2007, Brisa recebeu um e-mail de um xamã a convidando para uma palestra para qual não pôde ir, pois trabalhava pela tarde em uma empresa. Ela guardou o e-mail e, dois anos depois, respondeu a mensagem. “Eu estava numa fase muito difícil emocionalmente de minha vida, me sentia meio perdida. Então retomei ao e-mail e marquei um aconselhamento com ele.” Depois do seu primeiro contato com o xamanismo, sua vida mudou. Até mesmo o seu nome, Brisa Alegre, foi dado pelo seu xamã há 10 anos. Ao longo desse tempo, ela aprofundou seus estudos holísticos. “Fui me interessando por outras coisas também, com base no que eu sou e no que tinha mais a ver com a minha vertente.” Hoje, ela é terapeuta de floral da Amazônia e também ministra cursos de Reiki xamânico e Barra de Access no Espaço Dia Lindo, em Patamares.
Apesar de não limitar o seu público, as mulheres buscam os trabalhos com mais frequência que os homens. Por isso, Brisa adapta seus encontros de rodas de cura xamânica para a expansão do contato com o Sagrado Feminino. “Fazemos cantos ancestrais das mulheres, dançamos, conversamos com o fogo. É um trabalho de autoconhecimento”, afirma a líder xamânica.
Cartas na mesa
O tarô sempre fez parte da vida de Maria Fernanda Ávila, 35. Desde criança, Fernanda se interessava pelas cartas de tarô de sua mãe, que joga há quase 30 anos. “Eu usava para brincar, fazer de conta que era uma cigana. Então, aos 16, minha mãe me ensinou. Nunca mais parei”, conta.
Ela começou jogando tarô como um hobby, fazendo consultas para seus amigos. “Eu sempre fui taróloga, desde antes de pensar em profissão. A advocacia que chegou depois”, afirma Fernanda, que se formou em Direito e passou a exercer a profissão de advogada. Quando as coisas começaram a apertar no lado profissional, ela decidiu dar um tempo do tarô e isso não a fez bem. Foi quando retomou com as atividades e firmou um compromisso consigo mesma de que não iria mais se distanciar das cartas. “Hoje eu digo a todo mundo que sou advogada e taróloga. Ando com os dois cartões na carteira”, brinca.
E o que é o tarô, afinal? O tarô é a leitura de um jogo esotérico composto por um baralho tradicional de 78 cartas. Com essa leitura é possível fazer conclusões sobre passado, presente e futuro. “Ele é riquíssimo de símbolos que estão aí há centenas de anos ajudando a nos entender e entender o que está ao nosso redor”, explica Fernanda. A taróloga também garante que, desde que começou com o tarô, nunca parou de estudar a prática hermética e adverte: “É preciso estudar muito para jogar”.
“eu digo a todo mundo que sou advogada e taróloga. Ando com os dois cartões na carteira”
maria fernanda ávila
As pessoas vão em busca dos serviços de Fernanda normalmente visando a mesma coisa: amor e/ou trabalho. Nessas mais diversas consultas, Fernanda é mestre em casos inusitados. “Em tempos de crise, começam a surgir os jogos para novos projetos. Até para start-up já joguei, com as duas sócias do outro lado da mesa”, lembra a taróloga. “Outra vez, um jogo estava quase todo com o naipe de paus, que é o naipe do fogo, e estávamos conversando sobre fogo sem parar. Quando vimos, a toalha da mesa estava em chamas.”
E-soterismo
A necessidade do ser humano de obter respostas ajudou a transformar o esoterismo em lucro. As práticas místicas e holísticas se expandiram ainda mais a partir do advento da internet e das redes sociais. A ferramenta facilita a comunicação de quem procura com quem está ofertando o serviço. De acordo com o site de análise de vídeos em redes sociais Tubular Labs, desde 2016 a busca por conteúdos astrológicos no YouTube cresceu em quase 70%. Canais como o Deboche Astral contam com mais de 600 mil inscritos e possuem uma média de 30 mil novas inscrições por mês.
O Atelier da Alma, lugar onde Denise trabalha, conta com uma equipe de comunicação para ajudar na divulgação dos serviços e manter uma identidade digital condizente com a filosofia do espaço. “Temos a delicadeza de uma comunicação que fala da alma. Não queremos mostrar só o lado comercial, mas algo que realmente traduz o que é tão especial para a gente de forma transparente”, diz a astróloga.
“Eu acho que as redes sociais conectam as pessoas com interesses em comum”, afirma Fernanda. Mesmo a maior parte de sua clientela sendo presencial, ela agora também faz consultas online e tem um grupo de estudos de tarô via WhatsApp. “Comecei a me abrir para as tecnologias há pouco tempo e foi dando certo”, completa a taróloga.
Quanto ao aumento da procura pelas práticas esotéricas, Brisa considera um ponto positivo, mas lembra que requer cautela, tanto para quem procura como para quem oferece. “Estamos falando de energia, de emoção, de trauma, não é só você ler e botar a mão na pessoa ”.
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