Projeções ampliam arte e ativismo em centros urbanos
texto Maria Eduarda Gomes e Matheus Vilas
multimídia Kelvin Giovanni e Victoria Lenoir
diagramação Anna Luiza Santos
narração Maria Eduarda Gomes
colagem Isadora Sarno
Seja numa manifestação política nas principais avenidas do país, na identidade visual de um show ou nos acervos de galerias de arte, as projeções vêm se tornando um recurso cada vez mais utilizado. Porém, engana-se quem acha que seu uso é uma novidade. A técnica de projetar já aparecia no século X com o experimento que deu origem à fotografia: a câmara escura de orifício. Nela, era possível formar uma imagem estática na parede, a partir da iluminação de um objeto na abertura de uma caixa totalmente fechada. Com o aperfeiçoamento da prática ao longo do tempo, as imagens passaram a ter movimento, tamanhos e formatos variados. Mas foi somente no século XIX que o projetor como conhecemos hoje foi idealizado.
Muito mais do que apenas ampliar uma imagem, as projeções estão diretamente ligadas à difusão de arte, cultura e informação. Se antes cinemas, teatros e centros culturais eram os ambientes que mais promoviam essa experiência, hoje as ruas também cumprem essa função, especificamente nas fachadas de prédios. Com o fechamento temporário de espaços públicos, em decorrência da pandemia da COVID-19, as projeções visuais ganham novas telas, públicos e significados. Iniciativas de projeções caseiras se espalharam por todo o país, e a Fraude conversou com algumas delas.
Pela tela, pela janela
“começou como uma terapia visual para mim, que acabou servindo para outras pessoas”
kauê lima
VideoJockey, ou VJ, é a pessoa responsável por manipular e sequenciar performances visuais em tempo real. Os locais de trabalho desses profissionais são festivais e shows, que por conta da pandemia acabaram sendo cancelados, prejudicando quem depende financeiramente desse tipo de evento. Foi essa falta de trabalho e a série de notícias ruins sobre a crise sanitária que levaram o VJ Kauê Lima, 37, a projetar artes da janela do seu apartamento, em Belém do Pará. “Começou como uma terapia visual para mim, que acabou servindo para outras pessoas”, conta o VJ. Para além das fachadas, Kauê compartilhou essas projeções em redes sociais, onde viralizaram, e despertaram em alguns artistas o interesse em ver suas artes naquele formato. A partir disso, Kauê formalizou o projeto como Mostra Tua Arte e vem abrindo inscrições para que as pessoas mandem suas produções para serem projetadas.
“Estávamos procurando uma forma de extravasar nosso sentimento de revolta.” Foi com esse objetivo que o casal Luís Carlos, 37, e Olga, 38, acabou encontrando num projetor usado uma maneira de dizer o que sentiam. Críticas ao atual governo, manifestos em defesa à democracia e alertas sobre a importância do uso da máscara são algumas das mensagens exibidas diariamente pelos dois em sua página Atento e Forte, nome em referência à canção “Divino, Maravilhoso”. As imagens são projetadas nas fachadas de prédios no centro do Rio de Janeiro, chamando atenção dos moradores ao redor, que repercutem com palmas e gritos como formas de apoio. Para quem não mora nas redondezas, também é possível visualizar as projeções através dos registros nas redes sociais do projeto.
Foi com o mesmo anseio de se manifestar, que os VJs Felipe Spencer, 35, e Mozart, 47, fundaram o coletivo Projetemos. “Marcamos uma série de manifestações presenciais que acabaram não acontecendo com a chegada da pandemia, então decidimos adaptar o formato com o auxílio das projeções”, comenta Felipe. O que a princípio era apenas uma hashtag para divulgar os manifestos visuais feitos por eles, acabou se tornando uma rede de projecionistas espalhados por todo o país. Nem todos são profissionais da área, uma parte é composta por pessoas que estão descobrindo como se expressar através dessa arte. Qualquer um pode colaborar. É só fotografar sua projeção e publicar com #Projetemos na legenda. As fotos são repostadas nas redes sociais do coletivo, que já contam com mais de 30 mil seguidores.
Projetar é ocupar e comunicar
Por conta da pandemia, os meios de comunicação precisaram se reinventar para dialogar com o público dentro de casa. Programas de televisão tiveram suas gravações temporariamente suspensas, coberturas jornalísticas foram remanejadas para o formato remoto. Protestos e reivindicações, antes feitos com manifestações na rua, agora precisaram ser reorientados. Assim, os coletivos encontraram nas projeções um modo de extravasar seus anseios, informar e ocupar a cidade num momento em que se torna inviável estar nas ruas. “Se a gente não está na rua, por conta do coronavírus, precisamos dar um jeito de propagar nossa mensagem”, afirma Luís Carlos.
Felipe Spencer afirma que a comunicação é o maior objetivo do projeto. “Funcionamos de fato como uma grande agência, todos os dias temos reunião pela manhã para definir as pautas que serão projetadas em conjunto.” O assunto que estiver em mais evidência no dia é o escolhido. Vale tudo, exceto mensagens que contenham quaisquer tipos de preconceitos ou de apoio ao atual governo.
Por estarem falando diretamente de política, nem toda recepção é positiva. Spencer conta que já sofreram ameaças e tentativas de censura, “tivemos vários casos de colegas que foram abordados na própria casa com pessoas armadas, que se diziam policiais”. Apesar da intimidação por parte dos incomodados com o conteúdo projetado, o grupo continua com a atividade por acreditar na sua importância.
Kauê também já teve alguns empecilhos na hora de projetar. O VJ conta que, apesar de sempre ter o cuidado de preparar as artes e fazer o recorte das janelas, precisou realocar suas projeções. “Os moradores do prédio que eu fiz as primeiras exibições estavam reclamando da luz, então tive que parar.” No entanto, isso não impediu o VJ de continuar, e em pouco tempo conseguiu uma outra fachada sem complicações.
Rede de apoio e descobertas
“não é um instrumento para passar apenas a mensagem de quem está projetando”
olga
As projeções acabam funcionando como um porta voz, não só para aqueles que operam o projetor. “Não é um instrumento para passar apenas a ideia de quem está projetando, tem uma galera querendo falar também, passar sua mensagem de amor ou desabafo”, explica Olga, ao se referir ao Correio Elegante, uma ação feita pelo Atento e Forte em que as pessoas podem mandar seus recados afetivos para serem projetados.
Foi dessa forma que a servidora Luana Monteiro, 29, desejou felicitações ao irmão. Com a impossibilidade de estar presente no dia do seu aniversário, por morarem em cidades diferentes, Luana decidiu parabenizá-lo e dizer o quanto o ama através do Correio Elegante. “Eu queria surpreendê-lo e ao mesmo tempo estar próximo da minha família nessa data. A projeção me possibilitou abraçar meu irmão à distância, e ele ficou muito emocionado quando viu a mensagem.”
“é incrível saber que uma parte muito importante de mim viajou quilômetros”
lumenna
Para Kauê, além de ajudarem no bem estar emocional de quem as acompanha, as projeções ainda dão oportunidade das pessoas se encontrarem enquanto artistas e serem reconhecidas pelo público. Lumenna, 24, é artista plástica, mora em Monte Horebe, na Paraíba, e conta que ao descobrir o Mostra Tua Arte através de um amigo, ficou encantada com o projeto e a forma como a dimensão das fachadas torna a obra grandiosa. Com suas pinturas projetadas, ela começou a ter uma outra perspectiva de criação e de onde suas artes podem chegar. “É incrível saber que uma parte muito importante de mim viajou quilômetros, do sertão da Paraíba, para Belém do Pará”, afirma a artista.
E depois da pandemia?
Estando em um algum centro urbano durante a noite, é possível se deparar com alguma projeção no exterior de edifícios. O isolamento potencializou essa prática que conecta arte, protesto e tecnologia. Mas e quando a pandemia passar? As projeções das janelas de casa vieram pra ficar ou é algo passageiro?
Para Luís Carlos e Olga, enquanto houver disponibilidade, eles seguirão com o projeto. Já Felipe Spencer tem expectativas de manter as exibições independente da pauta. “Sempre vamos projetar necessidades. Agora estamos falando do coronavírus, mas vai ter um momento que vamos ter que falar da poluição das águas, do preço da gasolina”, explica.
Com a repercussão do projeto, Kauê recebeu algumas propostas de trabalhos na sua área de atuação. Aliado a um financiamento coletivo, ele pretende levar a ideia adiante a fim de inteirar sua renda e manter as exibições que promovem o trabalho de vários artistas.
Os grupos capturam as projeções feitas e publicam como uma galeria virtual nas suas páginas do Instagram. Em seus perfis, contam com seguidores participativos, que aguardam ansiosos para verem as suas artes e mensagens em grandes dimensões.
Você pode encontrá-los como @mostratuaarte, @atento.e.forte, @projetemos.
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