As histórias dos jovens que saem do Brasil em busca de novos horizontes
texto Antonio Dilson e Nadja Anjos
multimídia Lila Sousa
diagramação Anne Meire Cardoso
narração Iris Morena
colagem Nadja Anjos
Nunca houve tantos brasileiros morando no exterior. O último levantamento realizado pelo Itamaraty, em 2020, registrou que o número oficial de brasileiros vivendo lá fora era de 4,21 milhões de cidadãos. É um aumento de 35% em relação a 2010, quando o número era de 3,12 milhões. Só entre 2018 e 2020, o país perdeu mais de 600 mil pessoas para outras nações.
Essa estimativa não corresponde exatamente aos números reais de brasileiros pelo mundo. Os registros são baseados em projeções oficiais das embaixadas do Brasil mundo afora, já que o governo não tem controle direto de todos os que saem do país e não voltam. De acordo com dados divulgados pelo Itamaraty, o número real pode ser até 33% maior.
As motivações são as mais diversas, sobretudo entre os jovens. A busca por condições mais favoráveis de trabalho e renda, a decepção com horizontes profissionais e condições de desenvolvimento científico, além do cenário político instável, são motivos que levam alguns a buscarem oportunidades de carreira no exterior. A diáspora intelectual, como alguns especialistas denominam, pode deixar consequências de longo prazo na ciência nacional.
“No Brasil eu ganhava relativamente bem, mas a situação do país não permitia que eu juntasse dinheiro, por exemplo. Ou me mantinha ou juntava.”
joão victor costa
A economia do país e o custo de vida também são fortes razões apontadas por quem decide sair do país. Para João Victor Costa, 27, farmacêutico soteropolitano, esse foi um fator decisivo para migrar para o Japão: “No Brasil eu ganhava relativamente bem, mas a situação do país não permitia que eu juntasse dinheiro, por exemplo. Ou me mantinha ou juntava. Os dois era quase impossível. Larguei tudo: família, amigos, trabalho e aqui estou.” A oportunidade de sair do Brasil, se deu pela companheira de João ser descendente de japoneses, o que facilitou o processo de mudança dos dois.
Choque de cultura
O choque cultural é um dos grandes obstáculos enfrentados por quem decide sair de seu país de origem. Além disso, sempre há o risco de enfrentar situações de xenofobia. “Há um certo bloqueio com imigrantes de modo geral, principalmente latinos. Mas quando você vem numa posição de estudo superior, fazendo mestrado e buscando emprego, eles te veem de uma forma diferente. Porque há uma questão cultural do seu esforço e aquilo que você busca conta muito” é o que observa a advogada soteropolitana Priscilla Machado, 28, que saiu do Brasil para fazer mestrado em Washington D.C., nos Estados Unidos.
Mesmo João Victor, que já tinha contato com a cultura japonesa por conta de sua esposa, relata que percebeu as diferenças desde a chegada no aeroporto de Tokyo. “A segurança aqui no Japão é realmente algo de se invejar, eu nunca vi policiais andando com armas. Até no carro-forte os seguranças usam apenas um cassetete. A cultura realmente me chocou bastante, principalmente a forma das pessoas se vestirem, se olharem, se cumprimentarem. Aqui, temos que separar nosso lixo por material, tem os dias corretos de jogar os resíduos fora.”
O baiano Marcus Vinícius Oliveira, 30, doutorando em Engenharia Ambiental nos EUA, observa que o fato de estar inserido na universidade garantiu uma integração mais fácil. “É uma comunidade diferente e a maioria dos estudantes é estrangeiro. Sempre tem muita gente passando com roupas tradicionais de cada país, tem muitas feiras, muitos eventos, então os estudantes acabam aprendendo a conviver melhor com a diversidade cultural.”
“Às vezes a gente estava indo ao mercado e o pessoal passava no carro e gritava insultos.”
marcus vinícius oliveira
Fora do Campus, entretanto, Marcus percebia a diferença no tratamento das pessoas. “Às vezes a gente estava indo ao mercado e o pessoal passava no carro e gritava insultos. Os jovenzinhos, a galera de 12 anos, passava de bicicleta, olhava para nós e falava coisas do tipo ‘o que vocês estão fazendo aqui, voltem para casa’. Era nítido que as pessoas nos olhavam de cima para baixo”, relembra o engenheiro. O estranhamento era ainda maior por se tratar de um município pequeno, no interior do Missouri. “Rolla é uma cidade muito pequena e pouco conhecida, então as pessoas acabam sendo mais fechadas, ainda que a vida gire em torno da universidade. Quando eu falava que era do Brasil, muitas vezes ouvia ‘mas como você veio parar aqui?’”
Atualmente vivendo com o marido em Miami, Marcus nota que a cidade é muito mais turística, e, portanto, mais acostumada com a diversidade. “Moramos em um bairro onde as pessoas falam muito espanhol. Eles quase não se comunicam em inglês, dada a quantidade de estrangeiros que vivem aqui. A comunidade brasileira aqui também é muito grande. Então, a convivência é muito mais tranquila, muito mais leve. Eu não percebo a discriminação nos olhos das pessoas”, comentou.
Trabalhando fora
Priscilla, que já concluiu a pós-graduação e hoje atua profissionalmente na área do Direito Tributário, diz que existem semelhanças entre o cenário profissional americano e o brasileiro, mas que há possibilidades distintas de atuação. “Enxergo aqui outro caminho de carreira, outros tipos de projeto e trabalho. Conheço pessoas que moram em Salvador e têm um crescimento relevante na área, mas fazem coisas diferentes do que eu faço, aqui existe uma grande variedade de acordos e tratados comerciais, o que expande muito minha atuação.” Priscilla acredita que a permanência em Salvador poderia ser um fator de limitação para seu desenvolvimento profissional.
Distante de sua área de formação acadêmica em farmácia, João trabalha em uma fábrica de automóveis no Japão e observa que, para estrangeiros, a questão profissional pode ser um problema. “O imigrante vai ser sempre imigrante e tudo se torna mais difícil para quem vem de fora. A valorização é mínima, o sistema de trabalho aqui é abusivo. Às vezes comento com as pessoas que várias leis funcionam aqui, menos as leis trabalhistas.” Embora o cenário não seja dos mais fáceis, João diz que os salários são compatíveis com o custo de vida. “É como se você tivesse acesso a tudo que quer. Tem exceções, claro. Mas por exemplo, dá pra comer bem e ter lazer com o salário que pagam aqui.
Acostumado a uma rotina de trabalho bem diferente no Brasil, o farmacêutico narra a exaustiva jornada que tem na montadora. “Às vezes, passo entre nove e onze horas trabalhando em pé. Temos alguns minutos de descanso a cada duas horas, mas não é o suficiente,” João diz que o domínio do idioma não é uma exigência dos empregadores na indústria. “Com 15 dias morando aqui, eu já tinha feito entrevista e já estava trabalhando, foi tudo muito rápido. Eles não querem saber se você fala a língua japonesa, valorizam mais a mão de obra do que a fluência no idioma.”
Ciência e pesquisa
Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) vinculado ao Ministério da Economia, de 2013 a 2020, o investimento público na área de Ciência e Tecnologia encolheu 37%. Segundo a Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal, o Brasil investe cerca de 1,2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, menos da metade do que investem países como China, Alemanha e Austrália.
“Eu participei da última turma do Ciência Sem Fronteiras. Passei um ano estudando na Universidade da Califórnia e depois fiz um estágio lá. Eu queria muito viver essa experiência e isso mudou como enxergava a minha formação”
marcus vinícius oliveira
Diante dessas condições, a escolha por uma pós-graduação no exterior tem sido o objetivo de muitos estudantes brasileiros, como é o caso de Marcus que, desde a graduação, teve o desejo de estudar fora. “Eu participei da última turma do Ciência Sem Fronteiras. Passei um ano estudando na Universidade da Califórnia e depois fiz um estágio lá. Eu queria muito viver essa experiência e isso mudou como enxergava a minha formação”, relata.
Depois de um ano na Califórnia, Marcus voltou para o Brasil e concluiu a graduação. O tempo de intercâmbio deixou a vontade de retornar. O engenheiro conta que começou, então, a se planejar. “Eu queria fazer um mestrado no exterior mas não sabia como. Por isso, decidi fazer no Brasil mesmo. Mas já pensando que queria estudar fora no doutorado, escolhi um professor que tinha várias conexões com universidades no exterior nessa esperança de que ele poderia fazer essa ponte.”
Em setembro de 2021, Marcus embarcou para o doutorado nos EUA. As condições, observa o pesquisador, fazem diferença na formação profissional. Para ele, a estrutura dos laboratórios e instrumentos de pesquisa é um grande diferencial. “No Brasil, a gente usava equipamentos que são bem ultrapassados e que fazer manutenção era um problema. Aqui os equipamentos são de primeira e muito atualizados. Lá, eu tinha que fazer tudo muito na medida, muito pensado para gastar o mínimo possível. Isso acaba deixando o país sempre um passo atrás em relação ao acesso”, critica.
Back to Brazil?
Uma das perguntas mais comuns para quem mora fora do Brasil é “você pensa em voltar?”. Diante de novas jornadas e experiências, alguns têm dúvidas sobre a resposta. Fatores como qualidade de vida, segurança, estabilidade econômica e possibilidade de crescimento na carreira influenciam para o não retorno. Saudades da família e amigos são os fatores que mais pesam na decisão de voltar para o Brasil.
“Já morei em mais de uma cidade aqui nos Estados Unidos e qualquer uma que eu vá, me sinto segura, com infraestrutura em termos de cidade que, para mim, é muito importante, principalmente em termos de mobilidade e lazer. Há muita qualidade de vida por aqui, só volto para o Brasil para passear ou depois de aposentada. Mas volto. Amo Salvador”, garante a advogada Priscilla Machado.
O farmacêutico João Victor afirma que almeja voltar a exercer a sua profissão no Brasil. Apesar da rotina exaustiva no trabalho, tem se dedicado a finalizar a pós-graduação que iniciou antes de viajar. “Nesse momento não sinto nenhuma vontade de voltar. Creio que daqui a alguns anos as coisas comecem a melhorar, principalmente com a troca do cenário político. Como farmacêutico, foi desanimador exercer minha função durante a pandemia, diante de tanto negacionismo. Isso também me motivou a sair do país.”
Embora a vida seja completamente diferente fora daqui, há quem não abra mão de retornar. “Meu plano é terminar o doutorado, voltar para o Brasil e arranjar um emprego. Quero fazer essa migração que tem acontecido aos poucos, que é mais incomum, sair da academia para a indústria. Então, a minha ideia é essa por enquanto, aproveitar as oportunidades daqui e levar os conhecimentos para o Brasil”, afirma o engenheiro Marcus Vinicius.
Se a volta para o Brasil gera divergência entre os jovens emigrantes, todos concordam sobre a importância da experiência. “Acho que, às vezes, pra gente ir, falta essa capacidade de sonhar, de acreditar que você consegue chegar lá, sabe? Eu sempre achei que nunca ia dar certo, ninguém na minha família saiu do país. Todo mundo é da mesma classe social, então não tem esses privilégios de aventurar pelo mundo. Então, para eles eu sou quem chegou mais longe. E acho importante que mais pessoas acreditem e apostem nesse sonho”, concluiu Marcus.
A Fraude é uma revista laboratorial do Programa de Educação Tutorial em Comunicação (PETCOM) da Facom, UFBA e não possui fins lucrativos. Caso uma das imagens te pertença ou em caso de dúvidas, entre em contato pelo email revistafraude@gmail.com para acrescentarmos a referência ou retirarmos da publicação.
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