A crescente tendência da maquiagem artística com o boom do TikTok durante a pandemia
texto Gabriel Caino e Victoria Lenoir
multimídia Kelvin Giovanni
diagramação Nadja Anjos
narração Gabriel Caino
colagem Eduardo Bastos
Você é daquelas pessoas que se recusa a instalar o TikTok porque acredita que é um aplicativo para crianças recheado de vergonha alheia? É fato que muitos pensam assim, e essa fama da plataforma de vídeos nas outras redes sociais também não ajuda muito. Mas, na realidade, o aplicativo chinês de compartilhamento de conteúdo é tão popular por conta de sua variedade.
Nessa reportagem, exploramos um dos segmentos do Instagram e YouTube que migrou para a plataforma febre do momento, trazendo novas cores para um tema já bastante popularizado. Aproveite a chance para conhecer os makeup artists do TikTok e como eles criam o seu conteúdo. Quem sabe você não resolve entrar para a turma?
Eu sou TikToker, e você?
No primeiro trimestre de 2020, o TikTok se consolidou como o aplicativo mais baixado no mundo, ultrapassando o Facebook. Até março do mesmo ano, houve mais de 315 milhões de downloads, segundo pesquisa do Sensor Tower Store Intelligence. Um dos principais fatores para esse crescimento foi a pandemia da COVID-19. Em casa, com poucas opções para se entreter, a rede social de vídeos curtos, geralmente divertidos, mostrou-se a alternativa perfeita para entreter as pessoas durante a quarentena. Não à toa, o Instagram percebeu o potencial desse formato e introduziu o Reels à sua plataforma.
Duetos, dublagens, dancinhas e POVs são alguns dos exemplos de tendências no TikTok. Mas outra onda que vem fazendo bastante sucesso no aplicativo são os vídeos de maquiagem. São várias contas dedicadas somente a essa temática, trazendo desde tutoriais de como fazer um delineado até as mais elaboradas produções. Na data de publicação dessa reportagem, a hashtag #makeup já contava com mais de 3,5 milhões de posts.
Tutoriais de maquiagem já eram bastante difundidos no Instagram, mas a plataforma chinesa trouxe um diferencial para o ramo com a popularização dos challenges: vídeos com várias transições, onde em cada cena é apresentada uma nova etapa da make, como contorno, sombra, etc. Os cortes são sincronizados com as batidas da música que está bombando no momento. Um que ficou bastante popular no Brasil foi o Evoluiu Challenge, cuja hashtag já atingiu 142,2 milhões de visualizações.
Invasão dos makeup artists
A disseminação desse tipo de conteúdo abriu as portas para vários maquiadores artísticos exporem seus trabalhos para um público maior e, por vezes, mais diverso, atraindo novas pessoas para o mundo das makes. Randresson Vieira, 29, é maquiador há quase 10 anos e entrou na plataforma em outubro de 2020. Desde então, ele vem aproveitando as ferramentas do aplicativo para apresentar suas produções de maneira divertida. “De início, não acreditei muito e demorei bastante tempo para postar de novo, mas, um dia, um vídeo meu viralizou e aí me empolguei mesmo.”
A adolescente Flávia Bittarello, 15, começou na maquiagem aos 13 anos, por influência da mãe, e encontrou nas redes sociais uma forma de divulgar seu trabalho. “Eu já usava [o TikTok] só para assistir mesmo, mas não postava nada porque tenho um problema muito grande com a timidez. Quando comecei a perder um pouco dessa vergonha, fui postando vídeos, alguns viralizaram e hoje eu posto frequentemente”. Assim como Randresson, Flávia tem preferência pela maquiagem artística, inspirando-se em personagens e utilizando próteses cênicas. Especificamente no TikTok, a jovem foi uma das que entraram no início da pandemia, e seus vídeos vão desde os challenges às dublagens, todos com foco em maquiagem.
Já a estudante de engenharia Ju Fernandes, 28, se juntou aos tiktokers de maquiagem em maio de 2020, apesar de ter entrado na plataforma bem antes. “Nas minhas horas vagas, eu usava isso para relaxar. Engenharia é um curso pesado, às vezes você fica com a cabeça muito cheia, e a maquiagem era um outro universo. Era como se eu ‘resetasse’ a mente.” Ju, como é conhecida nas redes sociais, trabalha com maquiagem social para complementar a renda, mas sua paixão é a maquiagem 3D. Seus tiktoks com ilusão de ótica, próteses e efeitos especiais foram os responsáveis pela viralização do seu perfil.
Uma maquiagem artística costuma levar bastante tempo para ser feita, desde o processo de idealização até a sua execução, dependendo da quantidade de detalhes e do seu nível de dificuldade. Randresson já chegou a passar quase 10 horas se maquiando, em um processo que começou às 20h e só foi terminar depois que o sol já tinha nascido, às 6h da manhã. Além disso, também confeccionou todos os acessórios que usou no vídeo. “Quanto mais elaborado, mais demorado é”, afirmou.
Flávia, que ainda é estudante de ensino médio, possui uma rotina mais corrida. Por isso, no dia a dia, costuma focar em maquiagens que durem menos tempo de execução. Ela idealiza tudo antes em forma de desenho, os famosos croquis, sempre tomando cuidado com suas referências e com o que ela vai pintar, e só depois aplica no seu rosto, em um processo que dura em média de três a quatro horas: “É quase como uma terapia para mim”.
Flávia, que ainda é estudante de ensino médio, possui uma rotina mais corrida. Por isso, no dia a dia, costuma focar em maquiagens que durem menos tempo de execução. Ela idealiza tudo antes em forma de desenho, os famosos croquis, sempre tomando cuidado com suas referências e com o que ela vai pintar, e só depois aplica no seu rosto, em um processo que dura em média de três a quatro horas: “É quase como uma terapia para mim”.
Ju partilha dessa mesma ideia, justamente por usar a maquiagem como um hobby. Como tem um gosto maior pelas maquiagens em 3D e pelo uso de próteses e massinhas, que facilitam grande parte do seu trabalho, o seu processo acaba sendo mais rápido. “Uma maquiagem simples de um pequeno ferimento falso pode ser feita em 15 minutos, no máximo, contando com o tempo da cola secar”, comentou. Mesmo assim, ainda existe um cuidado enorme na hora de transportar as ideias do papel para a pele, pois a maquiagem 3D exige uma noção espacial e corporal mais aguçada.
Um celular na mão e uma ideia na cabeça
Gravar challenges vai muito além de apontar a câmera na direção do seu rosto e apertar um botão. Mas, com as ferramentas oferecidas tanto pelo TikTok quanto por outros aplicativos para celular, também não é preciso ser um cineasta nem ter uma equipe de produção para filmar, montar e sincronizar seu clipe. Os smartphones acabam sendo uma mão na roda na hora do processo de criar e editar os vídeos para o TikTok, principalmente por conta da facilidade de fazer tudo na palma da mão. Ju conta que faz todas as etapas sozinha, sem o auxílio de equipamentos profissionais: usa seu celular e grava no próprio quarto. Para as maquiagens com ilusão de ótica, ela prepara um fundo preto que, junto ao ângulo da câmera, é o que faz a mágica da maquiagem acontecer e enganar os olhos do espectador.
Já Randresson e Flávia têm, cada um, um pequeno estúdio onde fazem e gravam suas makes. Ring lights e luzes de led coloridas servem para deixar os seus tiktoks mais interessantes, e a gravação é feita nos seus smartphones. “Eu comprei um celular um pouco melhor para poder editar os vídeos. Foi um investimento”, conta Flávia. A jovem edita em aplicativos no próprio celular, mas diz ter interesse em aprender a usar outras ferramentas de edição e talvez comprar uma câmera.
Randresson grava a maior parte do processo das suas maquiagens com ajuda do marido. O maquiador gosta de fazer timelapses em seus vídeos, e de ter sempre os melhores takes para usar nas transições. A possibilidade de algo dar errado sempre existe e os três artistas comentaram como a experiência é frustrante, mas o jeito é parar e recomeçar até que dê tudo certo. Mesmo assim, o alcance às vezes acaba não sendo o esperado por eles. “Eu sinto que a área da maquiagem artística do TikTok não é muito reconhecida, principalmente pelo trabalho que dá”, comenta Flávia.
“Eu sinto que a área da maquiagem artística do TikTok não é muito reconhecida, principalmente pelo trabalho que dá”
flávia bittarello
#AlgoritmoChallenge
Ainda não se sabe muito sobre como funciona o algoritmo que seleciona quais vídeos vão para a For You, página inicial do TikTok que recomenda conteúdo personalizado aos usuários, mesmo que eles não sigam a conta que postou. Por isso, a viralização de um vídeo não é algo que se pode prever com facilidade, o que faz com que os artistas tenham que apostar tudo sem saber se haverá retorno. “Eu estudo muito os algoritmos das redes sociais para poder ver o que funciona, o que não funciona; Também acho que é questão de sorte”, explica Randresson.
Mas há algumas coisas que podem ser feitas para melhorar o alcance da conta. Flávia explica que usar hashtags com um alto número de visualizações, postar com frequência e em horários específicos aumentam as suas chances de viralizar. Nesse caso, a plataforma se assemelha ao Instagram. No entanto, a rede social não exige tanta frequência quanto o TikTok, afirma Flávia. “Eu prefiro fazer meu conteúdo para o Instagram porque posso produzir algo com mais qualidade e em uma frequência menor. No TikTok acaba sendo bem mais puxado, você tem que postar dois vídeos por dia para poder dar engajamento”.
“tem vídeos no TikTok que dão muito trabalho pra fazer, mas eles não viralizam. Mas outros, mais simples, só que estranhos, acabam indo muito bem.”
ju fernandes
Ju não levou suas produções para o Instagram, mas pretende fazê-lo no futuro. No TikTok, a estudante de engenharia notou que os vídeos que mais prendem a atenção do usuário são os inusitados. Um dos seus posts mais vistos foi o que transforma seu pé em um grande dedão. Ela ainda aponta que vídeos simples também fazem sucesso na plataforma: “Tem uns que dão muito trabalho pra fazer, mas não viralizam. Já outros, mais simples, só que estranhos, acabam indo muito bem.” Como exemplo, ela cita o vídeo de timelapse em que fez uma tomada no antebraço, que levou pouquíssimo tempo para ser feito e é, até hoje, seu TikTok com mais visualizações.
O TikTok chega democratizando o acesso do público a ferramentas de edição, músicas licenciadas e audiência. Randresson conta que possui um canal no YouTube, mas que seu perfil no TikTok é muito mais acessado. Foi através deste último, inclusive, que ficou conhecido e chegou a receber propostas de trabalho. O maquiador tem a plataforma de vídeos curtos como seu canal preferido, em especial pelo público. “O retorno é muito bom, as pessoas comentam, é bem diferente do Instagram e do YouTube.”
A problemática do conteúdo sensível
A make artística dá ao maquiador ou maquiadora várias possibilidades. Representação de personagens, transformação corporal, e o que mais a imaginação permitir. Uma das ramificações é a maquiagem de terror. Geralmente envolvendo sangue falso e imitação de ferimentos, essa vertente faz muito sucesso dentro e fora das redes. Mas as diretrizes da comunidade do TikTok explicitam que não é permitido postar conteúdo violento ou que sugira autolesão. E apesar de ser só maquiagem, esse tópico já foi responsável por derrubar ou limitar o alcance de muitos maquiadores artísticos.
Ju Fernandes conta que várias vezes seus vídeos receberam um grande número de denúncias dos usuários por conter sangue e ferimentos falsos, e que sofreu penalização pelo aplicativo. “Antes o TikTok derrubava, mas agora ele põe uma tarja dizendo que ali há conteúdo sensível e o oculta. Quando isso acontece, ele para de ser mostrado na For You e os próximos tiktoks têm uma resistência maior a alcançar mais gente”, relata a artista.
Aparentemente, não é todo vídeo com tópicos sensíveis que é derrubado. O que define se a publicação será ocultada ou mesmo excluída é a quantidade de denúncias feitas por outros usuários do TikTok. “Tive vídeos barrados e o conteúdo não era tão agressivo. Já perdi bastante material por conta de denúncias”, diz Randresson. Por um lado, a medida demonstra uma conscientização por parte dos aplicativos, mas por outro nota-se que as contas que mais sofrem são as de criadores menores, porque a proporção de denúncias por visualizações tende a ser mais expressiva quando não se tem milhões de seguidores.
Além das redes
Os três artistas entrevistados ainda não monetizam seu conteúdo nas redes sociais, mas todos pretendem investir no TikTok Creators Marketplace e expandir ainda mais as possibilidades de seus trabalhos. Fora do mundo online, Flávia tem interesse em estudar no exterior para trabalhar com maquiagem artística voltada para o cinema. “Estou me dedicando bastante a aprender inglês e já vi os cursos que eu quero fazer lá fora”, comentou.
Ju pretende dar sequência aos posts de maquiagens no TikTok, dessa vez tentando estabelecer um padrão de postagem e uma frequência maior. Ela pensa muito em unir a engenharia com o seu gosto pela maquiagem nos conteúdos que produz. “A engenharia é uma coisa bacana, mas a arte é o que traz sentido pra vida”. Ela planeja expandir suas redes sociais e movimentar ainda mais seu Instagram, que já observou dar mais retorno para seus projetos.
Randresson dará continuidade ao trabalho já desenvolvido junto a seu parceiro e também recebeu propostas de uma emissora de TV aberta para integrar o time de maquiagem artística.
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