texto Ravel Lima
ilustração Giulia Estrela
Publicado em 06.02.2020.
“A prata é um metal com poder de reflexão muito elevado. Do latim ‘argentum’, significa brilhante. Nossa pele é de prata, ela reflete luz. Um brilho tão intenso que eu me pergunto ‘por que o ouro é tão querido e a prata subvalorizada?’. Alguns hão de responder que é pela prata ser encontrada com mais facilidade. Reflita: O Brasil tem uma população de negros maior que a de brancos. Temos menor valor por ser maioria?” Assim o rapper Baco Exu do Blues ilustra a metáfora sonora de seu novo álbum, lançado em pleno novembro negro, em ano especificamente difícil para a comunidade negra no Brasil.
De tantas dores e marcas deixadas na pele negra por um ano tão a flor da pele, começamos a perder tudo. Inclusive o medo. “A prata é um metal puro. Eu realmente não entendo essa necessidade da procura do ouro.” reflete o som de Baco. Literalmente, reflete a perda do medo e a ascensão de uma consciência identitária que deu um salto orgulhoso nos últimos anos no Brasil. Os peles de prata estão se descobrindo, e sem muita espera, o ouro se sente ameaçado.
Em meio ao crescente orgulho, no último dia 20, foi comemorado o dia da consciência negra. A data é comemorado desde 2003 e foi oficializada em 2011. Mas até hoje não é completamente compreendida e precisa ser defendido de posicionamentos esdrúxulos sobre a sua importância. E quanto mais é atacado ou mal compreendido, mais ele se torna importante. O empoderamento da juventude, a ocupação de espaços, a exploração do amor próprio, a derrocada de barreiras… Todo um processo lento, mas poderoso, celebrado em um dia.
Esse último dia 20, no entanto, foi uma comemoração difícil diante de tantas perdas. De forma lastimosa foi dado o 1 minuto de silêncio que durará pelo resto de nossas vidas. Nos eventos e nos posicionamentos, Marielle e Mestre Moa foram lembrados. Para além de lembrados, reconhecidos como a Hidra que são: se tiveram sua cabeça abatida, duas novas nascerão em seu lugar. Eles não terão como matar milhares de Marielles e Moas. E o pesar vai aos poucos dando espaço a coragem. E as lágrimas nos olhos vão virando “sangue nos olhos”, e o dia da consciência negra se mostra em seu significado mais profundo.
A data, no entanto, contempla algo maior do que a auto-percepção da comunidade negra. Toca no lado de criação ou reformulação de políticas para a comunidade negra, pautada na sua história. É importante a prata reconhecer o seu valor, mas também é necessário que o sistema pare de tratar o ouro como superior. O dia da consciência negra não terá alcançado o seu maior objetivo enquanto a maioria dos negros ainda não tenham acesso ao que ele oferece. Até lá, lutaremos como Marielle e Moa lutaram. Devemos isso a eles.
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