Experiências de mulheres que ingressaram no mundo da programação
texto Nadja Anjos e Pedro Palmeira
multimídia Micaele Santos
diagramação Gleisi Silva
narração Mariana Brasil
colagem Nadja Anjos
Em 2019, a Google revelou que apenas 30% do seu quadro de funcionários é formado por mulheres. Mas quem observa os cargos de poder, em sua maioria ocupados por homens, não imagina que a história da tecnologia tem a marca de mulheres importantes. Ada Lovelace, Hedy Lamarr e Grace Hopper são alguns exemplos de nomes responsáveis pela criação dos primeiros algoritmos de computador, da conexão wireless e do primeiro compilador para linguagens de programação.
No início da pandemia, a indústria da tecnologia no Brasil cresceu 22,9%, de acordo com o estudo da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES). Esse aumento decorre de um maior uso de tecnologias por parte dos usuários e de empresas que, consequentemente, levam a uma valorização dos profissionais da área da programação. Essa ascensão os colocou em um novo patamar, o de profissão do futuro, onde mulheres também estão ocupando esse espaço.
Thabata Almeida, 26, formada em Ciência da Computação e programadora, se apaixonou pela área quando cursou a disciplina de Algoritmos e Programação no curso de Engenharia Ambiental, do qual desistiu ao se encontrar na programação. Explica que a profissão está em tudo, desde um controle remoto até nosso próprio celular. “Ela está dentro e fora das casas. Em sinaleiras ou catracas de ônibus e metrôs, até na luz que chega em nossas residências.”
“Cabe pensarmos de maneira mais otimizada para que a máquina realize as ações que precisamos através das linguagens de programação”
thabata almeida
“Programar é mandar comandos à máquina para que ela obedeça, depois, vem a parte de lógica. Cabe pensarmos de maneira mais otimizada para que a máquina realize as ações que precisamos através das linguagens de programação”, explica Thabata. A programadora conta que o trabalho trata-se basicamente de entender as necessidades do cliente e transformar isso em uma solução através de software. Primeiro, ela senta para conversar com as partes interessadas e levantar o que precisa ser feito para, a partir disso, ir para o código.
Com Suelen Laurindo, 30, programadora e doutora em Engenharia de Automação e Sistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a escolha da carreira aconteceu de forma parecida com a de Thabata. Ao entrar na faculdade de Tecnologia da Informação (TI) com incertezas, durante a disciplina de Programação, entendeu que aquele era o seu lugar. O que a levou a lecionar de forma voluntária anos mais tarde
A professora vai além ao explicar como o trabalho da programação está ao alcance do usuário no cotidiano: “hoje em dia é possível ter uma casa totalmente inteligente. Lâmpadas e eletrodomésticos são automatizados, conversando entre si através da programação por comunicação Wi-Fi, obedecendo comandos de voz por aplicativos. Como geladeiras que já vêm com sensores que informam seu nível de abastecimento, se a porta está aberta por muito tempo ou até mesmo podendo realizar compras através de comando.”
Primeiros passos
Com o avanço da área e escassez de profissionais, muitas empresas estão disponibilizando vagas para que mais pessoas sejam capacitadas. Segundo a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), o Brasil forma 46 mil pessoas por ano com perfil profissional para o setor tecnológico. A estimativa é que até 2024 sejam necessários 420 mil profissionais habilitados. E para fornecer capacitação a mulheres, iniciativas e oportunidades voltadas a elas vêm ganhando ainda mais espaço.
É o que acontece no Meninas Digitais, onde Suelen atuava até o final do ano passado como professora voluntária. O programa criado em 2011, sob coordenação da Secretaria Regional da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), tem como objetivo despertar o interesse de meninas e mulheres a trabalharem com a área de TI através de cursos e oficinas. Além disso, chama atenção para os problemas relacionados ao gênero no setor, fomentando a participação e inclusão de mulheres no segmento.
Muitas vezes a programação se apresenta como uma oportunidade para mudança de vida. É o caso de Luciane Souza, 32, estudante, que percebeu a ascensão do mercado a partir da rápida empregabilidade do namorado, que é da área. Para ela, estudar programação é um passo em direção a uma carreira promissora. Formada em Irrigação e Drenagem, além de Hotelaria, começou em 2021 o primeiro curso, Iniciação à Programação de Computadores, do Meninas Digitais UFBA.
Além de cursos, existem vários programas em empresas que investem na iniciativa de capacitar profissionais a trabalharem com a companhia. Em alguns casos, há remuneração durante esse treinamento, como é o caso do Orange Talents da Zup, empresa na qual Thabata trabalha. Funcionária há quatro anos, se inseriu no mercado dessa forma.
Há outros exemplos de projetos nacionais e internacionais que se destacam pela iniciativa de incentivo e inclusão de mulheres na programação, como o PyLadies, Yes, She Codes da Nubank, Minas Programam, PrograMaria, Reprograma, WoMakersCode, Django Girls e Girls Who Code. Uma curiosidade sobre este último citado, foi a parceria com a cantora Doja Cat no lançamento do single “Woman”, considerado o primeiro clipe musical “programável”. Nele, qualquer pessoa pode mudar elementos por meio de conceitos básicos de programação.
Invadindo o Sistema
O principal inimigo relatado pelas entrevistadas costuma ser o machismo, que não se limita apenas aos locais de trabalho, mas também se encontra nas salas de aula. Suelen conta sobre as dificuldades que teve no início de sua formação devido a um professor machista. “Ele questionava o porquê delas estarem na disciplina, que elas nem deveriam estar naquele espaço. Por conta dessas resistências, as alunas da turma tinham que estudar muito mais para mostrar a sua capacidade. As mulheres têm que passar por isso para conseguir igualdade?”
Para Luciane, também há outros empecilhos que dificultam a conclusão dos cursos. Frequentemente o casamento, cuidado com as atividades do lar ou com filhos. Por seguir adiante sem ter que enfrentar nenhuma dessas barreiras, ela se reconhece como privilegiada: “não tive problemas do tipo ser casada ou ter filhos, então foi mais fácil para mim. Tive apoio da família, do namorado, tudo isso facilitou muito”.
Suelen entende que a opressão masculina também pode justificar o elevado número de abandonos em cursos de programação com turmas mistas. Ela sente o desconforto das alunas ao tentarem tirar suas dúvidas nessas turmas, diferente daquelas em que a composição é totalmente feminina, na qual a participação é muito maior. Por mais que o investimento nos cursos voltados às mulheres tenha crescido, ainda é um número muito baixo de programas ofertados. Uma pesquisa do INEP/MEC aponta que apenas 13% dos alunos de Ciência da Computação são mulheres. Dessas, 47% desistem de concluir o curso.
“Eu não posso fazer o básico, tenho que fazer a mais, porque o cara do meu lado, se ele faz o básico, é parabenizado, se eu fizer, sou só mais uma”
thabata almeida
No ambiente profissional, é comum as mulheres terem que provar sua capacidade. Thabata passa por isso ao conviver com profissionais em sua maioria do sexo masculino. Mesmo realizando seu trabalho de forma correta, às vezes tem que repetir o que já havia dito. “Se eu fosse um homem, precisaria falar apenas uma vez. É aquilo, ficar constantemente se provando. Eu não posso fazer o básico, tenho que fazer a mais, porque o cara do meu lado, se ele faz o básico, é parabenizado, se eu fizer, sou só mais uma”, critica a programadora.
Olhar para uma vaga e não se sentir capaz é mais comum do que parece. Uma pesquisa da empresa HP mostrou que mulheres só se candidatam para uma vaga se forem capazes de preencher todos os pré-requisitos. Já os homens mandam currículo com apenas 60% das habilidades exigidas. Luciane se identifica com a situação, “agora me veio aquele sentimento de que eu nunca vou estar preparada, que eu vou continuar me qualificando e não vou ser capaz de dizer ‘nossa, agora eu tô pronta’. Estou há sete ou oito meses estudando e mesmo assim não tentei nenhuma vaga. Até quando?”
Neste ramo, o estudo é essencial para alcançar o lugar desejado, mas também é necessário combater as inseguranças. Luciane persiste nessa batalha. Ela mantém uma rotina focada em dois cursos de programação e outro de inglês. Diz que o idioma é uma barreira, mas sabe que é importante para quem está na área da tecnologia. Thabata reforça que o caminho é o estudo ao dizer que não importa como a pessoa interessada busque o aprendizado, pode ser através de curso técnico ou ser autodidata, o importante é ir atrás do conhecimento.
Para quem ficou interessada e quer seguir carreira na área de programação, separamos alguns sites que oferecem de programa de incentivo:
PyLadies | https://brasil.pyladies.com/ |
Yes, She Codes | https://blog.nubank.com.br/tag/yes-she-codes/ |
Minas Programam | https://minasprogramam.com/ |
PrograMaria | https://www.programaria.org/ |
Woman | https://dojacode.com/ |
Reprograma | https://reprograma.com.br/ |
WoMakersCode | https://womakerscode.org/ |
Django Girls | https://djangogirls.org/pt-br/ |
Girls Who Code | https://girlswhocode.com/ |
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