Com a divulgação da seleção dos melhores colocados por nossa banca, chegamos ao fim da 1ª Mostra Fraude de Artes Visuais e Literatura. Gostaríamos de agradecer imensamente aos jurados e a todos que se inscreveram, acessaram as páginas do projeto e nos apoiaram das mais diversas maneiras. Nos vemos novamente no ano que vem!
Segue a divulgação dos destaques desta edição:
A banca de jurados da categoria de Artes Visuais foi composta pelos professores da Faculdade de Comunicação da UFBA Regina Gomes, Fábio Gatti e Rodrigo Rossoni. Os três chegaram à escolha de quatro trabalhos a serem destacados. Os artistas cujas obras ocuparam o primeiro e o segundo lugar, respectivamente, ganharão o prêmio de R$200,00 e o livro “Walter da Silveira e o cinema moderno no Brasil”, organizado por Cyntia Nogueira, gentilmente cedido pela EDUFBA. Além dos dois primeiros colocados, a banca fez questão de fazer menções honrosas a mais dois trabalhos.
João Gabriel Neiva Silva
Instagram: @ojoaoneiva
Victor Augusto Mota
Instagram: @victmota
Vimeo: https://vimeo.com/victmota
“Inspirado na obra ‘Crítica da Razão Negra’ de Achile Mbembe, na qual o filósofo camaronês se debruça sobre criação da raça como um fantasma no século XXI, refletindo a partir dos conceitos atribuídos ao termo negro como sua própria ‘sombra personificada’. No vídeo, desloco no espaço entre as rochas e o mar de Salvador alguns dos meus duplos; impressões do meu corpo feitas anteriormente na performance Dermogravuras de Um Corpo Presente
Ícaro Lima Sena
Instagram: @oicarosena / @ocotidianonu
“[…] Comecei a utilizar minhas fotos para transformar em algo novo a partir da minha imaginação. Utilizei a colagem como forma de transformar minhas fotografias em devaneios, angústias e pulsões conjugadas em delírios imagéticos.”
Matheus Leite Buranelli
Instagram: @matheusburanelli
“[…] Por que toleramos algumas violências? E se fosse um cachorro? Mataríamos com nossas próprias mãos? Estas e outras questões relativas à exploração animal são representadas em um universo colorido de imagens que provocam nossos valores e crenças. O Manifesto Animal é um projeto de fotoativismo em desenvolvimento que assume um compromisso político com a luta pela libertação animal com esperança de escrever uma história onde animais não humanos também possam viver felizes para sempre.”
A banca da categoria de literatura foi composta pela escritora e professora Milena Britto, pelo escritor e produtor cultural Sandro Sussuarana e pelo professor e escritor Alex Simões. Os três avaliaram as obras finalistas e chegaram à escolha das duas melhor colocadas, cujos autores receberão, respectivamente, o prêmio de R$200,00 e o livro “Mulheres em Cena: literatura e imagem”, organizado por Nancy Vieira e Milena Britto, também gentilmente cedido pela EDUFBA.
Pedro Augusto Pinto Luz
Medium: https://pruxto.medium.com/
sempre que estava ocioso
amarrava o braço em borracha cirúrgica
e reintroduzia em suas veias, em seu sistema,
culpa cristã, envenenando as células sanguíneas e
desencadeando, em seu organismo, o horror:
pedir perdão e deixar de pecar,
ou para melhor entender, um raio despenca do céu
em fendas secas no seu jardim, de onde crescem
quebra-pedras, trevos e agora começam a sair,
de lá, os ombros de uma criatura antiga, muda,
que dorme com a língua enrolada numa súplica
“perdoa-me, pai”;
este é um pesadelo pagão.
sonha que é um touro,
ergue o seu lombo antropomórfico e
desloca as mãos deslizando-as, do lado dos quadris
passando pelos seios em direção aos chifres, imensos,
é vênus em júbilo.
o corpo cansado descansa sobre a pedra morna
ao entardecer e respira junto à terra;
a blusa, quase completamente desabotoada, está amarrotada e um pouco suja de sangue
porque o corpo está sempre
pingando evidências.
retrato do artista quando goza: momento em que percebe a divindade de si. fluindo, suspensa, emaranhada em narrativas antagônicas que formam uma cama de gato, gostosa de cair.
o sol banha seu corpo pagão, selvagem como mel quente, escorrendo pelo emaranhado, no processo alquímico de fazer o mel e o pecado tomarem parte na mesma emulsão;
saudoso langor do astro-rei que não derrete mas dá firmamento à pele e ao bem-querer para cair, então,
diretamente
nos olhos
de deus.
“nada mais bonito do que poder te ver contente.”
ele acorda,
serve a si mesmo uma caneca de café, e brinda
essa força estranha,
esse portal em vias de não ser,
através do qual as coisas belas e prazerosas secam, ressentem-se e perecem.
lambe os lábios e é doce,
finalmente.
Carol Dia
Instagram: @estarsol
Site: https://diasdecarol.wixsite.com/estarsolartevida
Uma página da minha diária em folha avulsa solta improvisada
O caderno acabou dias atrás e ainda não costurei outro
Só hoje consegui folhas novas e ideias velhas foram pro papel
Só hoje depois de parecer que o tempo seria aquele nublado parecido com o de ontem e de antes de antes de ontem
Só hoje abriu neste início junino uma nuvem e um sol quentinho bateu cinco horas da tarde na sola dos meus pés e com as canelas pra cima deitada na rede entrei em tempo mais lento longe dos fios que conectam as ondas elétricas na sala perto do modem longe dos barulhos da reforma na laje vizinha
E quando entro na conversa o assunto é justamente o vai e vem das ondas do mar
Nossa vida não metáfora
Vida que pulsa e narra
Vida condicionada agora a tantas falhas e atravessamentos virtuais quanto possível nessa realidade tecnológica de comunicação que em grande parte mostra sua ineficiência seu capricho e que não fomos adequadamente ensinadas a usá-las afinal não foram feitas pra nós a não ser pra nos monitorar
Desviar nossa atenção
E o que fazemos dela não não não está só na nossa mão
Somos muitas as primeiras das nossas a ter acesso a elas
A ter acesso a lugares e espaços como aquela escrita besta rebuscada da Academia em falência sendo remendada
Minha mãe não sabe ler muito bem
Só lê a bíblia e frequentou a escola só até a quarta série e criou suas duas filhas para que estudassem e não tivessem como seu trabalho servir como o dela sempre foi servir
E eu aqui num mestrado matutando como subverter normas escritas?
Só se for com o alfabeto pretoguês que ela minha mãe me ensinou cantando bê cê dê é fê guê
i lê mê nê pê quê
rê sí tê i de novo recitarei recriarei de a a zê o b com a bá da zona temperada com cominho colorau e alho pilado com semente de coentro fresca e sal
Até hoje ela diz que temos que buscar ser sal da terra e luz no mundo como a palavra manda
Qual palavra manda ? Que mestre mandou eu me curvar?
Eu levanto e voo e aprendi a cantar
Como fazer pra ela acessível o conhecimento que eu mesma produzo é desafio maior que a estrada do meu caminhar
A pergunta o que faço com o que tentaram fazer de mim me lembra o riso na boca da patroa dela quanto alegremente disse da minha entrada na Universidade…
Aquela mulher que sempre me doou os livros que suas próprias filhas não queriam mais
Como suas roupas usadas e seu deboche fingido de despretencioso…
Eu passava horas apagando as respostas para reescrevê-las depois e lembro dos farelos da borracha branca caindo no chão
As marcas incompreensíveis das respostas à lápis que me obrigaram a ter a letra forte a mão firme ainda mais
Ainda mais
O porque escrevo agora minhas próprias palavras vem desse sentimento
Vêm da memória do meu corpo
Que hora ou outra me sopra no vento
Da imaginação para além da visão nas leituras que abriram meus horizontes e mostraram outras possibilidades de vida que levei tanto tempo e dor pra entender
O que eu faço sou eu e minhas ações mostram qual papel quero marcar com letra que não é só minha
Minhas ancestrais vem antes de mim
Meus versos numa página não são mais importantes do que quem eu de fato sou nas linhas da vida
Quando assumi o compromisso com minhas palavras disse o presente vivido o passado que corre em minhas veias os sentimentos do agora ao andar aqui longe de onde nasci
A naturalidade do viver cotidiano aprendido em meio a tudo que é só artificial
Escavo chão e sou raiz
Não quero o superficial
E agora sinto o que sempre quis
Ultimamente isolada sinto que a relação mais próxima que consigo ter com a natureza minha mãe é com o tão distante céu acima da minha cabeça e isso é estranho pra minha própria natureza dependente de pé e mão na terra
Plantamos juntas ontem a semente de abacate no quintal
Meditar todo dia tem feito bem pra cabeça e pra tudo
E tudo tá tão de cabeça pra baixo e ainda é preciso girar e chacoalhar mais e muito pra ver se a mente do mundo muda de frequência pra ver na diferença potência e beleza
Fazer a roda girar na gira que segue seu fluxo de rio correnteza que nunca deixa de seguir
Circular e anti horário no relógio universal do centro do mundo abalado
Centro do quê? O umbigo do mundo se vê de cabeça pra baixo dançando em torno do próprio eixo
Quando as telas apagam e na mente tantas referências ditas em voz alta em nomes femininos
brilho
Brilho vendo o sol se pôr atrás das nuvens a lua mesmo sendo dia ainda brilhar e a primeira estrela noturna pontar
Sim é contraditório estar aqui e estar lá na escrita na academia na tela do celular
Mas brilho de outra forma e a partir de outra forma quero forjar meu viver por ver esse lugar de enunciação que me faz CRIA AÇÃO
Sal da terra é água do mar mamãe
Sal da terra é água do mar mamãe
Poder falar e ser ouvida escutar
Luz do mundo é saber
Luz do mundo é fazer
Ninguém nos encorajou a fazê-lo senão nossas mães desletradas contando apenas com suas vozes nosso passado presente futuro inspiração de sonho e labuta
Mãos de mãe mãos de tempero mãos de trabalho mãos de terra mãos de costura e sim mãos de escrever
Ninguém disse que seríamos capazes a não ser elas
Se dependesse desses olhos brancos acadêmicos realmente nem aqui estaríamos
Mas é por elas que ultrapassamos as contradições desse estar
Quando penso no que faço do que tentaram fazer de mim pé torto coluna envergada e voz falha renasço e floresço todo dia mostro minha cara minha língua meu corpo minha palavra
A linha marrom que costuro cadernos e histórias das de antes soprando em meu ouvido fazendo sentido em meu mover
Nesse encontro escreviver poder falar dizer gritar me leva a música que escrevi outro dia e diz
VOZ E ASA pra voar e extravasar
Ultrapassar fronteiras
Transformar como planta folha flor
Escrever com a escrita que nos inscreve e a língua que nos molda e o que fazemos com isso
É poesia
Passo
Gesto
Sem forma pronta
Sem norma posta
Costurando sentir e viver
Luz no mundo é sal da terra
Agradeço por trocar e poder me refazer
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