Conheça o cicloativismo em Salvador
texto Catarina Carvalho e Emilly Tifanny
diagramação Victoria Lenoir
foto de capa Catarina Carvalho e Emilly Tifanny
narração Victoria Lenoir
O vento no rosto, os pés no pedal. A sensação de andar de bicicleta é de liberdade. Além de contribuir para o bem estar de quem está pedalando, as bikes são amigas do meio ambiente e também símbolo de ativismo e resistência. O cicloativismo, movimento político voltado ao uso delas como meio de transporte, vai além da reivindicação da presença segura dos ciclistas no trânsito. É um estilo de vida. Com o objetivo de incentivar o uso da bicicleta e discutir a mobilidade ativa, os grupos de cicloativismo surgem como um movimento de redes de apoio. Em Salvador, iniciativas como o Bike Anjo, o coletivo La Frida e o Meninas no Pedal ajudam a fortalecer e unir cada vez mais ciclistas.
Aprendendo com os anjos
Por acreditarem no ciclismo como ferramenta de transformação social, a rede Bike Anjo surge com o intuito de ajudar pessoas de todas as idades a andar de bike. O projeto foi criado na capital paulista em 2010 por João Paulo Amaral e hoje está em mais de sete países. A iniciativa funciona a partir do voluntariado. Os ciclistas que se disponibilizam a ensinar aos iniciantes são chamados de anjos, nome que faz referência à ideia de ajuda e proteção.
Na capital baiana, o grupo já está consolidado há cinco anos e tem como responsável Jason Dias, 52. O começo foi inusitado. Reunidos na Praça do Campo Grande para o planejamento do projeto em Salvador, ele e outros integrantes do grupo foram surpreendidos pelo relato de uma senhora que escutava a conversa. “Ela veio até nós e disse ‘estava ouvindo a conversa de vocês, pois não tive oportunidade de aprender quando pequena, será que eu poderia aprender agora?’. Inauguramos assim!”, ele lembra.
As aulas acontecem uma vez por mês para pessoas de todas as idades em local divulgado nas redes sociais do projeto. O atendimento é por ordem de chegada. Mas não precisa se preocupar se não tiver uma bicicleta em casa! Lá, você pode pegar uma emprestada gratuitamente.
“a minha experiência está sendo um desafio divertido e libertador”
nete viana
Nete Viana, 55, está na segunda aula com o Bike Anjo e desde a primeira experiência com o grupo, conseguiu pedalar com equilíbrio. Ela conta que o que motivou a aprender a andar de bike foi o desejo que tinha desde a infância. “Desde criança eu colocava as plaquinhas dentro de casa escrito ‘não esqueça minha Caloi’. Mas eu morava em ladeira e meu pai dizia que não era lugar para pedalar. Então não tínhamos bicicleta, ninguém aprendeu a andar de bike lá em casa”, conta. “A minha experiência está sendo um desafio divertido e libertador”, diz Nete.
BiciPreta
Qual a sua referência de mulheres no ciclismo? Em Salvador, o coletivo La Frida é um espaço de discussão, aprendizado e incentivo ao uso de bike para mulheres negras. Tudo começou em 2015, do desejo de empreender de Lívia Soares, 32. Surgiram como um bike café, uma cafeteria itinerante montada em uma bicicleta cargueira no Instituto de Letras da UFBA, onde Lívia era aluna. Ela conta que o nome La Frida foi escolhido junto com a marca do coletivo. “Era um momento que o nome Frida estava muito em alta, todas as referências eram Frida Kahlo. Foi uma forma de ressignificar essa imagem da Frida e juntar com a logo, que é uma mulher negra pedalando.”
Ao comprar um café, o cliente ganhava um poema. Foi através da literatura que a cientista social e poetisa Jamile Santana, 27, passou a fazer parte do coletivo, escrevendo os bilhetinhos que acompanhavam o café. Durante uma viagem a São Paulo para o congresso BiciCultura, evento nacional de discussão de atividades que envolvem o uso da bike, perceberam a falta da presença negra e periférica naquele espaço. A partir daí, o olhar delas sobre a bicicleta foi redirecionado. “Voltamos inquietas com essa questão da falta de representatividade num lugar que é tão nosso. A população negra usa bicicleta, é um meio de transporte econômico. A gente está na periferia, mas não estamos falando sobre nós, não estamos ocupando os espaços”, diz Jamile.
“elas nos encorajam a irmos atrás dos nossos sonhos para além da bicicleta”
lorena oliveira
A vontade de estimular mais mulheres negras a aderirem ao pedal culminou no projeto “Preta, Vem de Bike”. A equipe do La Frida se disponibiliza, nas manhãs dos domingos, a ensiná-las a andar de bicicleta. Uma das mulheres que aprendeu a usar a bike com o projeto foi a estudante Lorena Oliveira, 23. Ela conta que sempre quis aprender, mas só conseguiu aos 22 anos. “Vi uma postagem no Instagram sobre um grupo de mulheres negras que ensinava outras a andar de bike. Tudo isso gratuito. Me inscrevi e fui lá com o intuito de fazer apenas três aulas”, lembra. Mas a conexão de Lorena com o La Frida foi além das aulas. “As alunas se tornam amigas. Além disso, elas nos encorajam a irmos atrás dos nossos sonhos para além da bicicleta”, finaliza.
Hoje, o coletivo tem também uma sede, a Casa La Frida, no Santo Antônio Além do Carmo, Centro Histórico da cidade. Na Casa, elas promovem rodas de conversa, eventos culturais, alugam bicicletas e se conectam com outros coletivos, cedendo o espaço para aulas de defesa pessoal e diversas atividades voltadas para o ativismo político. Além disso tudo, possuem uma oficina própria para manutenção e customização de artigos para bicicleta, onde também oferecem cursos de mecânica para mulheres negras. A La Frida também tem uma linha exclusiva de bikes e produtos de ciclismo.
Elas no pedal
Assim como o coletivo La Frida, a iniciativa Meninas no Pedal nasceu da falta de representatividade feminina nos grupos de cicloativismo. Para incentivar a participação de mulheres na bike, o grupo foi criado por Karina Britto, 52. A ideia surgiu quando ela começou a pedalar com outros grupos da cidade e percebeu que eram compostos, em sua maioria, por homens. Incomodada com esse cenário, ela decidiu, em 2014, criar um coletivo apenas para mulheres.
“As meninas têm o grupo como um fortalecimento, o momento delas. Termina sendo uma terapia”, conta a fundadora. As saídas têm como ponto de encontro a Avenida Magalhães Neto, todos os domingos às 7 horas. Elas não apenas andam de bicicleta, mas também são um grupo de acolhimento e orientação. “Nós a ajudamos e indicamos pessoas preparadas a ensiná-la, para que mais tarde ela possa ser integrada ao grupo”, explica Karina.
“as meninas têm o grupo como um fortalecimento, o momento delas. termina sendo uma terapia”
karina britto
Uma vez por mês acontece o pedal para iniciantes, destinado a mulheres que já andam de bike mas nunca participaram de um coletivo. “Para essas pessoas, a gente indica pedalar no Prius [grupo para iniciantes] com o Silas. Ele trabalha com as aprendizes e pedala da Magalhães Neto ao Rio Vermelho para ensiná-las a andar em grupo”, explica a representante do Meninas no Pedal. De acordo com ela, o processo de aprendizagem é gradual. “Depois que a pessoa evoluiu, começa a andar no grupo de terça a noite, que é mais experiente”, completa.
Deu vontade de aprender
Quantas pessoas você conhece que não sabem andar de bicicleta? As repórteres Catarina Carvalho e Emilly Tifanny eram duas delas. Se equilibrar entre duas rodas e sair pedalando por aí é, muitas vezes, algo que se aprende na infância. Mas quando isso não acontece, é preciso ter coragem para tomar a iniciativa.
A decisão de aprender a pedalar surgiu pelo desejo de viverem a sensação de liberdade e autonomia que a bicicleta é capaz de gerar. Para isso, contaram com a ajuda de Jason, um dos voluntários do Bike Anjo. Elas registraram tudo e mostram para vocês no vídeo abaixo.
Se, assim como elas, você não sabe andar de bike e quer aprender, atente-se às dicas: Lembre-se que cada pessoa tem seu ritmo de aprendizado, que deve ser respeitado, e é recomendado o uso de roupa e calçado confortáveis para a prática.
Preparada? Preparado? Então pega toda sua energia e vem com a gente!
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