Influenciadores mostram que é possível ser vegano gastando pouco
texto Marcelo Azevedo e Ray Lucca Pio
multimídia Marcelo Azevedo e Ray Lucca Pio
diagramação Karen Caldas
narração Matheus Vilas
colagem Isadora Sarno
Ao pensar em alimentos veganos, o que vem em sua mente? Aquele hambúrguer do futuro, feito de plantas, mas com aparência de carne, vendido numa caixinha minúscula por 20 reais? Aquela coxinha de jaca, que só está à venda do outro lado da cidade e custa o dobro de uma de frango? Os preços exagerados e as lojas difíceis de encontrar nos fazem pensar na dieta vegana como algo caro e complicado de encaixar em nosso dia a dia.
Embora o veganismo elitista seja mais comum, ele não é a regra. Os influenciadores Ellen Monielle, Silvio Louzada, Thiago Ávila e Maria Elisa provam isso usando suas redes sociais para mostrá-lo de outra forma: popular, periférico e acessível!
Veganismo é coletivo
O que é veganismo popular? Como montar pratos acessíveis? Após responder essas duas perguntas em uma série de tweets, a estudante de relações internacionais Ellen Monielle, 21, conquistou quase 90 mil curtidas. Hoje, já tem mais de 40,8 mil seguidores em seu perfil no Instagram. Conhecida como @eco.fada, a influenciadora se propõe a divulgar um veganismo popular e antirracista.
“eu entrei muito em contato com questões como a agricultura familiar, trabalhadores locais, e aí eu vi que veganismo não é só sobre os bichinhos. envolve pessoas, os recursos do planeta, tudo isso”
ellen monielle
Apesar de sua principal motivação para se tornar vegana ter sido o sofrimento dos animais, Ellen conta que, ao pesquisar sobre veganismo popular, começou a ver o movimento sob outras perspectivas. Ela percebeu que o veganismo não é apenas sobre não comer animais e seus derivados, há uma série de problemas por trás desse consumo. Você já parou para pensar em quem produz a sua comida? Ou sobre a importância das feiras para os produtores rurais? “Eu entrei muito em contato com questões como a agricultura familiar, trabalhadores locais, e vi que veganismo não é só sobre os bichinhos. Envolve pessoas, os recursos do planeta, tudo isso.”
Maionese vegana, leite de amêndoas, salsichas vegetais congeladas e outros. As propagandas desse tipo de produto, caros, industrializados e marcados com o selo cruelty free constroem a imagem de um veganismo elitista, nos fazendo relacionar uma loja de produtos veganos a um lugar inacessível. Apesar disso, alimentos não derivados de animais são mais comuns do que se acredita, e podem ser encontrados em lugares como feiras e supermercados. “Muita gente ainda vê como caro porque não sabe onde fazer compras. É preciso ter um novo olhar, pesquisar os locais. Veganismo é isso, é ir na xepa do final de feira para economizar”, diz Ellen.
Uma alimentação natural é o que Silvio Louzada, 17, também recomenda. Morador da Zona Oeste do Rio de Janeiro, ele é dono do perfil @silvio.louzada, com quase 15,8 mil seguidores no Instagram. Silvio diz que o veganismo, para além de uma qualidade de vida melhor, é sobre consciência. É sobre saber o que você oferece a seu corpo e o impacto de sua alimentação na vida das pessoas. Afinal, apesar de não pensarmos nisso com frequência, tudo o que comemos vem de algum lugar. Quem estamos ajudando ao nos alimentarmos com produtos que vêm em caixinhas?
Trabalho de formiguinha
O consumo consciente é a base do veganismo. Thiago Ávila, 33, tenta mostrar isso através de seu trabalho no Instagram, @thiagoavilabrasil, onde já possui mais de 73 mil seguidores. Ele é adepto da filosofia do Bem Viver, uma ideologia com base na cosmovisão dos povos originários da América Latina que propõe uma sociedade em harmonia plena com a natureza, baseada em solidariedade e livre de qualquer forma de opressão. “A gente se entende enquanto parte da natureza, não há essa dicotomia entre nós e os outros seres. A humanidade não é superior a eles, a gente precisa deles”, explica. Sua organização, a Sociedade do Bem Viver, realiza doações, conecta produtores rurais a compradores urbanos e promove a autonomia e a segurança alimentar.
A partir desses ideais, ele percebeu que era fundamental adotar uma alimentação vegana. “A carne era o que tinha de mais caro no meu prato. Foi um favor para mim, minha saúde e meu futuro.” Ele diz que há uma incompreensão do papel social do veganismo. Para ele, o movimento vegano é político, popular e acessível: “é uma política contra o sistema, um manifesto em defesa do povo.”
Thiago define suas ações como um “trabalho de formiguinha”, uma tarefa individual para transformar o mundo. Ele afirma que o que fazemos sozinhos pode, sim, ser uma ação transformadora. “Nós precisamos repensar nosso papel, mudar nossos hábitos. Não vamos resolver tudo sozinhos, mas podemos mudar o que está ao nosso alcance”, conta. Por isso, sempre chama seus seguidores para uma ação, como financiamentos, doações e petições, e tenta mostrar que eles não estão sozinhos. “Eu tento me expressar de uma maneira construtiva. A indignação é essencial, mas eu também preciso mostrar esperança.”
Conteúdo para quem?
Ao falar sobre influenciadores digitais, Silvio Louzada diz que sentia falta de representatividade no movimento vegano. Por querer ver mais pretos e popularizar o veganismo, estilo de vida seguido por ele há mais de dois anos, criou o perfil no Instagram. “Tem muita gente no veganismo expondo produtos que às vezes não são necessários, ou são muito caros”, afirma o influenciador. Ele diz que tenta se afastar de “receitas mirabolantes” e mostrar o que realmente come todos os dias, sem complicar. “Perfil de receita a gente vê vários, mas é preciso mostrar que existem ingredientes simples para cozinhar em casa.”
Ele sugere, por exemplo, que as pessoas façam adaptações. Viu uma receita com leite de castanhas, que é mais caro? Tente fazer com leite de amendoim, algo mais acessível. “Vai ter um gosto diferente, mais puxado para o amendoim? Vai, mas isso não altera tanto a receita. É preciso ter esse autoconhecimento na cozinha.” Os leites veganos, aliás, feitos com aveia, coco ou outros alimentos naturais, são muito fáceis de fazer em casa e podem substituir o leite convencional em diversas receitas. É uma questão de conhecer e testar coisas novas.
Para saber mais sobre o que fazer na cozinha, é importante seguir pessoas que se aproximem da sua realidade. Por isso, Silvio e Ellen buscam a simplicidade em primeiro lugar, com o objetivo de mostrar que um estilo de vida vegano é possível para todos. “Agora eu estou recebendo muitas propostas, mas eu vejo que às vezes elas não se encaixam no meu propósito. Não adianta nada ganhar dinheiro para fazer propaganda de um produto de 500 reais, sabe?”, diz Ellen.
A chave é planejar
“nunca me toquei que eu estava passando um veganismo acessível. não foi a intenção, era só a minha realidade. eu moro no subúrbio, não como aquelas comidas veganas que a gente nem sabe o que é”
maria elisa
Dedicar-se um pouco mais a conhecer e preparar sua alimentação é uma ótima maneira de trazer o veganismo para o dia a dia. Maria Elisa, 16, dona do perfil @adolescentevegana, diz que passa a maior parte do dia na cozinha. Soteropolitana e amante da culinária, criou o perfil em 2018 apenas para compartilhar o que comia. “Nunca me toquei que eu estava passando um veganismo acessível. Não foi a intenção, era só a minha realidade. Eu moro no subúrbio, não como aquelas comidas veganas que a gente nem sabe o que é.” Agora, com mais de 22,7 mil seguidores, várias pessoas pedem que ela faça marmitas veganas para venda, e seu sonho é abrir um restaurante. Ela até pensa em fazer gastronomia, mas tem receio de precisar lidar com produtos de origem animal durante o curso.
Mesmo se sua rotina for cheia, ainda é possível, com um pouco de planejamento, se alimentar bem a semana inteira. Ellen, por exemplo, separa um dia para fazer todo o cardápio. Leva umas três horas na cozinha, mas a comida da semana fica garantida. Para ela, o incrível da alimentação vegana é a possibilidade de fazer diversas combinações e congelar sem problemas. “Quem trabalha e estuda vai poupar tempo. Eu conheço muita gente que passa o dia fora de casa e dá conta”, afirma.
Já Silvio, apesar de cozinhar todos os dias, se previne para os momentos de desânimo.“Uma dica que eu dou é sempre colocar legumes no feijão, porque às vezes você tá com preguiça, mas seu feijão vai estar lá recheado. Você pega seu feijão com legumes, arroz, uma salada e já tem um prato completo.” Além disso, sempre guarda as sobras do dia. Assim, quando a preguiça bate, junta tudo e tem sua refeição.
Outra recomendação de Silvio é sempre diversificar seu prato. Para uma alimentação saudável, é importante sempre mudar, não focar em uma coisa só. Existe uma variedade imensa de legumes, cereais e grãos para utilizar na cozinha. “Não existe só feijão preto, carioca. Existe vermelho, branco. O arroz é a mesma coisa. Não se prenda ao arroz branco, feijão e batata frita, porque não é uma alimentação saudável.”
Como começar?
Antes de aderir ao veganismo, Ellen foi vegetariana por um ano e quatro meses, até que em 2017 fez a transição. Ela conta que, no início, foi crudívora por um mês. “Eu estava procurando uma alimentação que me desse mais energia, pois quando eu era vegetariana eu comia muitos industrializados, que me faziam mal. Eu queria me desintoxicar”, explica.
Já Maria Elisa se tornou vegana repentinamente. Depois de entrar em contato com o veganismo por meio de um grupo no Facebook, e após assistir ao documentário “Terráqueos”, que nem conseguiu ver até o fim, ela decidiu parar completamente de consumir produtos de origem animal. “Não foi algo que me fez falta, foi muito natural. Era realmente uma questão de conhecer o movimento e saber que o veganismo era o que eu queria para minha vida”, conta. Apesar da mudança rápida, ela não recomenda uma transição tão brusca.
Ellen também aconselha a realizar a transição aos poucos, respeitando o processo. Nem todo mundo consegue virar vegano de uma hora para outra. “Eu não consegui fazer isso. Aí você tenta, se frustra e acaba desanimando. Esse desânimo pode até fazer você desistir totalmente, acontece com muita gente.” Cortar os produtos aos poucos, começando com os mais fáceis, é uma boa maneira de iniciar. O importante é não desistir e dar o seu melhor todos os dias. Além disso, seguir pessoas veganas é uma ótima forma de conseguir inspiração.
“quando a gente entende que o veganismo vai muito mais longe que a luta pelos direitos dos animais, mas é também pela libertação dos nossos, fica difícil não se tornar vegano”
silvio louzada
Por fim, é importante pesquisar. Como nossos entrevistados ressaltaram, o veganismo vai além da exploração animal. É sobre pensar no coletivo, em como nossos hábitos podem ajudar a transformar a realidade. “Quando a gente entende que o veganismo vai muito mais longe que a luta pelos direitos dos animais, mas é também pela libertação dos nossos, fica difícil não se tornar vegano”, defende Silvio.
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