H REVISTA FRAUDE

Ano 13 | 2016 - nº14 - Salvador/Bahia

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Cardápio da Casa

Famílias transformam seus lares em restaurantes e diversificam a gastronomia de Salvador

 

texto Artur Mello e Lara Miranda 
fotos Caíque Bouzas e Matheus Buranelli/Labfoto

Abrir as portas de casa para os amigos é motivo de festa, mas também pode ser o começo de um empreendimento. A comida e o ambiente agradável aos poucos podem atrair não apenas pessoas do convívio pessoal, como também um público interessado em comer fora de casa. Em Salvador, algumas famílias oferecem ao consumidor além da refeição, o ambiente de suas próprias casas para uma vivência dos costumes locais.

Em uma rua do Garcia, um conjunto de casas enfileiradas limitadas por um pequeno portão formam uma praça de alimentação. No corredor que lhes dá acesso, quadros apresentam os mais variados pratos, todos tipicamente baianos. Dentro da sala de uma das casas, um senhor sentado no sofá assiste televisão durante a tarde enquanto descasca camarões em uma vasilha. Logo eles estarão no acarajé do próximo cliente.

Do terceiro andar de outra casa, uma cesta de palha desce sustentada por uma corda. É através dela que Tia Laíz, 61, entrega a  sobremesa do cliente - pasteizinhos doces com goiabada. Vindo do térreo, um grito de sua sobrinha, Tádia de Jesus Alves, 35, confirma o pagamento. Ela coloca o troco na mesma cesta, que sobe para a vendedora. A comanda do cliente é composta por pratos de quatro estabelecimentos diferentes, todos pertencentes à mesma família - os Recantos da Tia Célia e Tia Lêda, o Aracajé da Jaci e os Doces da Laís.

O espaço dos restaurantes, localizado na rua Padre Domingos de Brito, foi criado há 40 anos por Dulcineia Maria, 81, nascida e criada no Garcia e conhecida pela vizinhança como “Tia Dulce”, após elogios à sua comida por parte da família e incentivos para que ela abrisse um negócio. Com o passar dos anos, suas irmãs se engajaram em formar os restaurantes, hoje regidos por diferentes núcleos da família e passados de geração a geração.

Com destaque para a comida baiana, o prato mais pedido é a feijoada de feijão carioquinha, que pode ser acompanhada por um casadinho, sobremesa mais vendida por Tia Laís. Tádia ajuda desde os 15 anos sua Tia Dulce e sua mãe, Tia Lêda. Para ela, o negócio segue uma receita que tem como ingredientes principais a atenção que é dada à comida e aos clientes. “Se você tiver provado desde o início vai dizer que a comida está igual a como era feita há 40 anos, pois continuamos a trabalhar com muito carinho pelo que fazemos”.
 

NO ACONCHEGO DO CARCIA

Na rua Quintino Bocayuva, também no Garcia, localiza-se o Aconchego da Zuzu. O restaurante, criado em 1998 pelos filhos de Juvência Marinho, foi batizado em homenagem à mãe, conhecida como Dona Zuzu e falecida em 2013, aos 103 anos. O filho mais velho, João Barroso, 75, acredita que o jeito festivo e sempre alto astral de Zuzu é o que alegrava todos ao seu redor. "Mamãe sempre gostou de festa e de dançar, até em idade avançada. Uma vez o Jerônimo veio aqui só para cantar a música É d’Oxum (1992), a preferida dela, porque ele queria vê-la dançar", conta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

texto Artur Mello e Lara Miranda 
fotos Caíque Bouzas e Matheus Buranelli/Labfoto

Abrir as portas de casa para os amigos é motivo de festa, mas também pode ser o começo de um empreendimento. A comida e o ambiente agradável aos poucos podem atrair não apenas pessoas do convívio pessoal, como também um público interessado em comer fora de casa. Em Salvador, algumas famílias oferecem ao consumidor além da refeição, o ambiente de suas próprias casas para uma vivência dos costumes locais.

Em uma rua do Garcia, um conjunto de casas enfileiradas limitadas por um pequeno portão formam uma praça de alimentação. No corredor que lhes dá acesso, quadros apresentam os mais variados pratos, todos tipicamente baianos. Dentro da sala de uma das casas, um senhor sentado no sofá assiste televisão durante a tarde enquanto descasca camarões em uma vasilha. Logo eles estarão no acarajé do próximo cliente.

Do terceiro andar de outra casa, uma cesta de palha desce sustentada por uma corda. É através dela que Tia Laíz, 61, entrega a  sobremesa do cliente - pasteizinhos doces com goiabada. Vindo do térreo, um grito de sua sobrinha, Tádia de Jesus Alves, 35, confirma o pagamento. Ela coloca o troco na mesma cesta, que sobe para a vendedora. A comanda do cliente é composta por pratos de quatro estabelecimentos diferentes, todos pertencentes à mesma família - os Recantos da Tia Célia e Tia Lêda, o Aracajé da Jaci e os Doces da Laís.

O espaço dos restaurantes, localizado na rua Padre Domingos de Brito, foi criado há 40 anos por Dulcineia Maria, 81, nascida e criada no Garcia e conhecida pela vizinhança como “Tia Dulce”, após elogios à sua comida por parte da família e incentivos para que ela abrisse um negócio. Com o passar dos anos, suas irmãs se engajaram em formar os restaurantes, hoje regidos por diferentes núcleos da família e passados de geração a geração.

Com destaque para a comida baiana, o prato mais pedido é a feijoada de feijão carioquinha, que pode ser acompanhada por um casadinho, sobremesa mais vendida por Tia Laís. Tádia ajuda desde os 15 anos sua Tia Dulce e sua mãe, Tia Lêda. Para ela, o negócio segue uma receita que tem como ingredientes principais a atenção que é dada à comida e aos clientes. “Se você tiver provado desde o início vai dizer que a comida está igual a como era feita há 40 anos, pois continuamos a trabalhar com muito carinho pelo que fazemos”.
 

NO ACONCHEGO DO CARCIA

Na rua Quintino Bocayuva, também no Garcia, localiza-se o Aconchego da Zuzu. O restaurante, criado em 1998 pelos filhos de Juvência Marinho, foi batizado em homenagem à mãe, conhecida como Dona Zuzu e falecida em 2013, aos 103 anos. O filho mais velho, João Barroso, 75, acredita que o jeito festivo e sempre alto astral de Zuzu é o que alegrava todos ao seu redor. "Mamãe sempre gostou de festa e de dançar, até em idade avançada. Uma vez o Jerônimo veio aqui só para cantar a música É d’Oxum (1992), a preferida dela, porque ele queria vê-la dançar", conta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os clientes são servidos em um grande pátio, e a especialidade da casa é a comida baiana. Enquanto os pratos são saboreados, familiares de dona Zuzu transitam e se encaminham para dentro de uma das quatro casas, localizadas ao fundo. Seu João acredita na importância do restaurante não funcionar apenas com o caráter empresarial, mas também pelo seu valor simbólico em relação à  cultura e ao turismo local. "Nós também vemos o espaço como uma forma de tornar a sociedade mais próxima e unida", afirma.

Nesses espaços comerciais situados no Garcia, a maior parte do público não é do bairro. De acordo com Tádia, a visita de artistas, personalidades políticas e o interesse da mídia televisiva acabou por despertar a atenção de clientes de localidades mais distantes. Para Seu João, a frequência de público vindo de outros bairros se dá também pela diferença de tradição cultural encontrada no Garcia, onde os moradores estão mais habituados a frequentar barzinhos e se reunir com os amigos no passeio da rua, dando espaço para que clientes de outros bairros sejam atraídos pela experiência de conhecer a comida caseira de um bairro tradicional.  
 

DENTRO DE CASA E PERTO DA NATUREZA

O restaurante Entre Folhas e Ervas, localizado no Largo da Lapinha, foi idealizado por Ylo d’El-Rei, 33, professor de educação física. Atualmente, é administrado em conjunto com seu amigo Hugo Rodrigues, 30, gerente de uma transportadora.

O empreendimento funciona no quintal de uma casa de fachada verde musgo e de arquitetura tradicional portuguesa. A ideia inicial era fazer uma grande academia no espaço, que foi deixada de lado devido a dificuldades financeiras e familiares de Ylo, que precisava cuidar do filho Guilherme, 5.

Semelhante ao que iniciou os restaurantes da família de Tia Dulce e de Dona Zuzu, a mudança de projeto se deu a partir do incentivo dos amigos e familiares. "Aqui era um quintal onde reuníamos os amigos todas as quintas, fazíamos um som e algumas comidas. Depois de um tempo, sugeriram que a gente as comercializasse", conta Hugo.

Dentre as refeições mais requisitadas do restaurante está o Peixe Entre Folhas e Ervas, que é enrolado em palha de bananeira. Ylo, responsável pelos pratos, diz que a paixão por cozinha sempre o acompanhou. “Comecei a cozinhar cedo, viajando sozinho. Conheci Boipeba e a Ilha de Itaparica a partir da vivência com os nativos. Dormia em barraca e acordava 4h30 para preparar rede, pescar e fazer a comida”.

A biomédica Paula Reis, 27, frequenta o Entre Folhas e Ervas há dois anos e acredita que o ambiente do restaurante é decisivo para a frequência no local. “Sinto-me em casa. O contato com a natureza é grande, a música é muito agradável. É um contraste, quando você para o carro na rua e depois entra aqui”.

Os clientes são servidos em um grande pátio, e a especialidade da casa é a comida baiana. Enquanto os pratos são saboreados, familiares de dona Zuzu transitam e se encaminham para dentro de uma das quatro casas, localizadas ao fundo. Seu João acredita na importância do restaurante não funcionar apenas com o caráter empresarial, mas também pelo seu valor simbólico em relação à  cultura e ao turismo local. "Nós também vemos o espaço como uma forma de tornar a sociedade mais próxima e unida", afirma.

Nesses espaços comerciais situados no Garcia, a maior parte do público não é do bairro. De acordo com Tádia, a visita de artistas, personalidades políticas e o interesse da mídia televisiva acabou por despertar a atenção de clientes de localidades mais distantes. Para Seu João, a frequência de público vindo de outros bairros se dá também pela diferença de tradição cultural encontrada no Garcia, onde os moradores estão mais habituados a frequentar barzinhos e se reunir com os amigos no passeio da rua, dando espaço para que clientes de outros bairros sejam atraídos pela experiência de conhecer a comida caseira de um bairro tradicional.  
 

DENTRO DE CASA E PERTO DA NATUREZA

O restaurante Entre Folhas e Ervas, localizado no Largo da Lapinha, foi idealizado por Ylo d’El-Rei, 33, professor de educação física. Atualmente, é administrado em conjunto com seu amigo Hugo Rodrigues, 30, gerente de uma transportadora.

O empreendimento funciona no quintal de uma casa de fachada verde musgo e de arquitetura tradicional portuguesa. A ideia inicial era fazer uma grande academia no espaço, que foi deixada de lado devido a dificuldades financeiras e familiares de Ylo, que precisava cuidar do filho Guilherme, 5.

Semelhante ao que iniciou os restaurantes da família de Tia Dulce e de Dona Zuzu, a mudança de projeto se deu a partir do incentivo dos amigos e familiares. "Aqui era um quintal onde reuníamos os amigos todas as quintas, fazíamos um som e algumas comidas. Depois de um tempo, sugeriram que a gente as comercializasse", conta Hugo.

Dentre as refeições mais requisitadas do restaurante está o Peixe Entre Folhas e Ervas, que é enrolado em palha de bananeira. Ylo, responsável pelos pratos, diz que a paixão por cozinha sempre o acompanhou. “Comecei a cozinhar cedo, viajando sozinho. Conheci Boipeba e a Ilha de Itaparica a partir da vivência com os nativos. Dormia em barraca e acordava 4h30 para preparar rede, pescar e fazer a comida”.

A biomédica Paula Reis, 27, frequenta o Entre Folhas e Ervas há dois anos e acredita que o ambiente do restaurante é decisivo para a frequência no local. “Sinto-me em casa. O contato com a natureza é grande, a música é muito agradável. É um contraste, quando você para o carro na rua e depois entra aqui”.

 

 

 

 

 

 

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O OUTRO LADO DA MESA

Com a crise financeira, os restaurantes enfrentam dificuldades. No Aconchego da Zuzu, as portas passaram a ser abertas somente das quintas-feiras aos domingos, ao invés de toda a semana. “Essa crise já tem em torno de três anos. Tudo começou a partir da Lei Seca, quando as pessoas deixaram de sair ou passaram a ir para bares e restaurantes próximos de casa para não utilizar veículos”, explica Seu João.

Além de diminuir os dias de funcionamento, o quadro de funcionários dos restaurantes da família de Tádia foi afetado. Os primos que antes trabalhavam no empreendimento tiveram que ser dispensados, devido à diminuição dos clientes.

De acordo com Seu João e Tádia, moradores do bairro do Garcia, outra questão que tem prejudicado os comércios é a violência na cidade. No cotidiano do bairro tradicional, os dois percebem poucas ocorrências de criminalidade, porém consideram que a violência nos bairros ao redor faz com que as pessoas saiam menos de casa.

Para a dupla de sócios do Entre Folhas e Ervas, a dificuldade está em ofertar aos seus clientes as atrações que a noite do bairro não oferece. “Estamos em uma região histórica da cidade, mas o turismo não chegou aqui, não há uma vida noturna. Precisamos de atrativos para que a pessoa tenha certeza de uma boa festa da hora que chegar até ir embora”, conta Ylo.

Apesar de todas as dificuldades, Tádia vislumbra um futuro melhor para os estabelecimentos de sua família. "Quando não vendemos, tenho meu salário para ajudar, mas não tenho dúvida que esta situação vai passar. Somos firmes na luta, sentimos a dificuldade, mas não desistimos", diz, mantendo o desejo de deixar a enfermagem e se dedicar exclusivamente ao restaurante.

Os problemas ocorridos no dia a dia dos restaurantes são aos poucos superados, seja pelo apoio da família ou pelo amor à culinária. No dia seguinte, o feijão borbulha novamente na panela, o dendê alaranja a comida quente e mais um cliente é servido. Enquanto cheiros se confundem na cozinha, e invadem as narinas dos famintos, o sabor do bairro permanece na memória.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O OUTRO LADO DA MESA

Com a crise financeira, os restaurantes enfrentam dificuldades. No Aconchego da Zuzu, as portas passaram a ser abertas somente das quintas-feiras aos domingos, ao invés de toda a semana. “Essa crise já tem em torno de três anos. Tudo começou a partir da Lei Seca, quando as pessoas deixaram de sair ou passaram a ir para bares e restaurantes próximos de casa para não utilizar veículos”, explica Seu João.

Além de diminuir os dias de funcionamento, o quadro de funcionários dos restaurantes da família de Tádia foi afetado. Os primos que antes trabalhavam no empreendimento tiveram que ser dispensados, devido à diminuição dos clientes.

De acordo com Seu João e Tádia, moradores do bairro do Garcia, outra questão que tem prejudicado os comércios é a violência na cidade. No cotidiano do bairro tradicional, os dois percebem poucas ocorrências de criminalidade, porém consideram que a violência nos bairros ao redor faz com que as pessoas saiam menos de casa.

Para a dupla de sócios do Entre Folhas e Ervas, a dificuldade está em ofertar aos seus clientes as atrações que a noite do bairro não oferece. “Estamos em uma região histórica da cidade, mas o turismo não chegou aqui, não há uma vida noturna. Precisamos de atrativos para que a pessoa tenha certeza de uma boa festa da hora que chegar até ir embora”, conta Ylo.

Apesar de todas as dificuldades, Tádia vislumbra um futuro melhor para os estabelecimentos de sua família. "Quando não vendemos, tenho meu salário para ajudar, mas não tenho dúvida que esta situação vai passar. Somos firmes na luta, sentimos a dificuldade, mas não desistimos", diz, mantendo o desejo de deixar a enfermagem e se dedicar exclusivamente ao restaurante.

Os problemas ocorridos no dia a dia dos restaurantes são aos poucos superados, seja pelo apoio da família ou pelo amor à culinária. No dia seguinte, o feijão borbulha novamente na panela, o dendê alaranja a comida quente e mais um cliente é servido. Enquanto cheiros se confundem na cozinha, e invadem as narinas dos famintos, o sabor do bairro permanece na memória.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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